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sábado, 18 de janeiro de 2025

Deixei de fumar!


Quando leres isto, já terei deixado de fumar há quase três anos. Comecei a fumar quando tinha 15 anos e continuei durante cerca de 17 anos. Depois, parei. Fiquei longe do tabaco durante dez anos, voltei a fumar e, novamente, parei. Como disse, já passaram três anos. Confesso ser um viciado em tabaco. Simplesmente, já não fumo, nem voltarei a fumar.

O que eu realmente apreciava eram charutos panatela, aqueles longos e esguios com invólucro verde. Mmmmmmm, o charuto depois do jantar costumava ser o ponto alto do meu dia.

O teste da Montanha Ryan reforçou a minha determinação de nunca mais voltar a fumar. A Montanha Ryan é um monte de granito no meio do Deserto de Mojave. Antes da minha primeira abstinência de dez anos, costumava subir a Montanha Ryan, ofegante, a chiar, a bufar e a suar pelo trilho estreito, íngreme e rochoso até ao topo. A vista de lá abrangia quase todo o meu mundo — as Montanhas San Jacinto, as Montanhas San Bernardino, as Santa Rosas, o Mar Salton e o vasto e lindo deserto.

Depois de ter deixado de fumar pela primeira vez, subi a Montanha Ryan novamente, mas desta vez sem ofegar, chiar ou bufar tanto. Cerca de cinco anos depois de ter parado, subi a Montanha Ryan mais uma vez, respirando com facilidade durante a maior parte do caminho e com um ritmo cardíaco só ligeiramente acima do normal.

No final dessa década sem fumar, o vício apanhou-me novamente — e com força. Vislumbrei uma caixa de longos e esguios panatelas verdes numa vitrine de vidro. Não consegui resistir. "Dá-me um desses", disse ao funcionário. Acendi-o, inspirei o fumo pungente e delicioso, inalei um pouco e pensei comigo: "Ahhhhhhhh, tal como me lembrava. Um ou dois charutos por dia não me vão fazer mal." Para encurtar esta história, em menos de duas semanas estava de volta a fumar um maço e meio de mentolados por dia.

Durante esse período, tive ocasião de subir a Montanha Ryan. Lá estava eu, a ofegar e a bufar novamente e a chiar pior do que nunca. O meu ritmo cardíaco estava realmente elevado. Via manchas e precisava de descansar com frequência — descansar e fumar um cigarro.

Leio bastante e estou ciente dos relatórios e factos sobre o tabaco:

Se fumas, a tua probabilidade de morrer de cancro é 100% maior do que a de quem não fuma.

Se fumas, a tua probabilidade de morrer de cancro do pulmão é 700% maior do que a de quem nunca fumou.

Se fumas, a tua probabilidade de seres vítima de enfisema é 10 vezes maior do que a de quem nunca fumou regularmente.

Se fumas, a tua probabilidade de morrer de doença cardíaca é 103% maior do que a de um não-fumador.

Enquanto estava sentado a meio da Montanha Ryan, a lutar por ar e a fumar um cigarro sem filtro (com estes factos a girar na minha cabeça), resolvi naquele instante deixar de fumar mais uma vez — desta vez, para sempre.

Quase consegui uma vez: estive seis semanas sem fumar, mas o vício venceu-me. Depois, comecei a trabalhar na McMullen Publishing, Inc., e na Survival Guide. Este lugar tem uma regra de proibição de fumar no edifício. Pensei: "Óptimo! Agora tenho um incentivo para parar de fumar."



A minha mulher, Sally, teve de permanecer na sua cidade por algumas semanas enquanto eu começava o emprego aqui. Isso deu-me tempo e espaço longe da rotina partilhada para fazer o que fosse necessário para parar. Na véspera de Ano Novo de 1981, o dia antes de começar este cargo, deixei de fumar. Fumei o meu último cigarro pouco antes da meia-noite, vi a chegada do ano de 1982 e fui para casa enfrentar o desafio.

Não vou aborrecer-te com os gritos de incentivo que fiz a mim próprio, ou com as tentativas de meditação transcendental, Zen, Yoga, auto-hipnose, orações, murros na parede, etc. Fiz isso tudo. Consegui. Deixei de fumar.

Como poderia eu professar ser um sobrevivencialista e agir de outra forma?

Durante o dia, o trabalho mantinha-me ocupado. Não podia fumar no edifício, então evitava sair. As noites, sozinho em casa, foram as piores.

E, recentemente, subi novamente a Montanha Ryan. O meu joelho lesionado incomodou-me mais do que o coração ou os pulmões.

O ponto fulcral deste texto é claro: fumar e os seus efeitos prejudiciais para a saúde humana são incompatíveis com os princípios da prontidão. Não se pode prejudicar o próprio corpo dia após dia e, ao mesmo tempo, afirmar ser um sobrevivencialista.

Assim, peço-te, de amigo para amigo, de sobrevivencialista para sobrevivencialista: pela tua saúde, pela tua vida, se fumas, pára; e, se nunca fumaste, não comeces!

Para além do perigo imediato para a saúde, há o factor de dano permanente, a destruição irreparável dos tecidos cardíacos e pulmonares, e a redução permanente da acuidade cerebral e visual, que comprometerão o teu corpo em situações críticas de sobrevivência. Não fumar é faz, sem dúvida, parte de estar preparado para sobreviver.

A maior parte dos leitores nunca subirá a Montanha Ryan ou sequer a encontrará num mapa. Acredita, ela está lá. É o meu teste. Recomendo aos fumadores que façam um "Teste da Montanha Ryan" — num local à sua escolha — antes e depois de deixarem de fumar. Comparem os resultados com os meus. Estou convencido de que dirão: "Ainda bem que parei." E eu acrescentarei: "Eu também."

Dave Epperson

© American Survival Guide, Volume 7, Nº 3, Março de 1985.

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sábado, 11 de janeiro de 2025

Facas de cozinha para a defesa do lar

Os artigos sobre armas para defesa doméstica costumam enfatizar três aspectos. As caçadeiras são consideradas as melhores opções devido à sua aparência intimidante, elevada probabilidade de acerto, poder de paragem mais do que suficiente e risco mínimo de sobrepenetração. As pistolas são bastante portáteis, mas tendem a ter uma precisão e um poder de paragem inferiores ao necessário. Por outro lado, as carabinas de alta potência podem representar um sério perigo para a saúde dos nossos vizinhos, principalmente em apartamentos ou casas de estrutura leve, onde a probabilidade de as balas atravessarem as paredes, o chão ou o tecto é bastante elevada.

Embora as probabilidades de um proprietário de casa ter de defender o seu "castelo" sejam remotas, ele deve preparar-se como se fosse para uma patrulha na selva. A sua arma principal deve ser uma caçadeira, reservando as armas de mão apenas para emergências, quando a caçadeira não estiver ao alcance. Um caso recente ilustra o perigo de depender de pistolas: um proprietário disparou três vezes contra um assaltante com um revólver .38 enquanto este o atacava com uma faca; acabaram por morrer nos braços um do outro. Além disso, em algumas localidades, o porte de pistolas é simplesmente proibido.

As raparigas e mulheres estão entre as melhores atiradoras de caçadeiras e carabinas do país. Por exemplo, a actual campeã de carabina de pressão de ar é uma rapariga de 14 anos, uma das "atiradoras" de calibre olímpico é a capitã Margaret Murdock do Exército dos EUA... e a lista continua. No entanto, a mulher comum considera o acto de disparar uma arma pouco feminino; se tiver uma arma, é provável que seja uma pistola que mantém, mas com a qual não pratica. Em alguns casos, seria mais sensato confiar numa faca de cozinha grande, com a qual está totalmente familiarizada, do que numa pistola pequena em que pode não ter confiança para usar numa emergência.

As estatísticas de homicídios neste país indicam que as mulheres preferem a cozinha e as facas de cozinha como ferramentas letais. Com base nestes dados, podemos extrapolar que as mulheres também devem ser capazes de usar estas facas para autodefesa.

Basicamente, qualquer faca de cozinha, de preferência aquelas com uma lâmina de dez centímetros ou mais, pode ser considerada uma potencial arma. Em Hong Kong, onde existem restrições à posse de armas de fogo, a arma favorita é o cutelo de cozinha, um utensílio com lâmina afiada. A dona de casa deve decidir com antecedência qual a faca que usará caso enfrente um ataque em sua casa. Essencialmente, quanto maior, melhor: uma grande faca de chef é praticamente uma espada curta. Deve ter uma ponta e lâmina muito afiadas. A lâmina não deve ser demasiado flexível: as facas de cozinha podem ter lâminas com espessuras entre 2,5 e 6 milímetros; as mais robustas são mais eficazes para golpes de perfuração.

De forma simples, a mulher que se defende com uma faca deve dominar três movimentos básicos: corte na mão, manobra evasiva e golpe fatal. Se o agressor ainda não fez algo que o possa levar à prisão, é provável que seja desencorajado por um corte na mão ou no braço. Por exemplo, uma rapariga que conhecia estava a atravessar um parque em St. Louis quando um homem lhe agarrou o braço. Ela pediu-lhe que a largasse, mas como ele recusou, sacou de uma faca e cortou-lhe o braço. Confrontado com uma situação que só poderia piorar, ele afastou-se. A propósito, este movimento deve ser combinado com uma boa dose de gritos.

O segundo movimento é a manobra evasiva. Uma mulher deve impedir que o agressor lhe retire a faca das mãos. Isso pode ser feito mantendo-o à distância com a outra mão, enquanto segura a faca recuada, pronta para atacar qualquer alvo exposto.

O terceiro movimento é apenas para situações de vida ou morte. Uma estocada no pescoço ou no abdómen é mais provável de ser fatal do que qualquer corte (excepto se atingir a artéria carótida). Para quem deseja aperfeiçoar estas habilidades, a esgrima desportiva é o melhor treino [NDT - recomendamos as aulas de esgrima do Ginásio Clube Português].

Francamente, considero que a maioria das técnicas de defesa pessoal sem armas, ensinadas em cursos da YWCA e semelhantes, não têm em conta o tamanho, a velocidade e a resistência média à dor de uma mulher em comparação com o seu provável agressor. Na verdade, homens e mulheres utilizaram sempre armas para compensar a vantagem física de potenciais oponentes. Os assaltantes e os violadores são predadores, não são lutadores; escolhem as suas vítimas precisamente pela aparente vulnerabilidade. Se a potencial vítima quiser evitar tornar-se uma vítima real, deve transmitir imediatamente uma impressão de autoconfiança, estando preparada para fazer barulho, fugir ou lutar. Se tiver uma arma, deve sacá-la imediatamente, mas mantê-la fora de vista até ao último momento, para garantir o elemento surpresa. 

Hoje em dia, existe uma vasta gama de boas facas de cozinha fabricadas industrialmente, como as da Gerber e da Henckels, disponíveis no mercado. Para quem procura algo de primeira classe, os artesãos de facas personalizadas produzem algumas das melhores facas de cozinha do mundo. Por exemplo, o modelo 10 "Salt Fisherman/Household Utility" da Randall é provavelmente a melhor pechincha da cutelaria personalizada actual; pode ser adquirido com uma lâmina de cinco ou sete polegadas e com várias opções de estilo de cabo. Outro excelente exemplo é o modelo 14 "Chuckwagon" de Dan Dennehy, embora seja consideravelmente mais caro do que o Randall. Como acontece com a maioria das facas de cozinha, nenhuma destas possui guarda ou maneabilidade; por isso, não devem ser usadas para certos tipos de golpes ou bloqueios que podem ser realizados com uma faca de combate tradicional.

O problema da defesa doméstica é complexo. Na verdade, a utilização de armas de fogo ou de facas é o último recurso, o limite final da defesa doméstica; todos os outros meios, como fechaduras e alarmes, já terão falhado. Nestas circunstâncias, o proprietário da casa deve ser proficiente no uso de qualquer arma disponível. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o OSS treinava os seus agentes para reconhecer praticamente qualquer objecto como uma potencial arma. Confiar exclusivamente em armas de fogo é tornar-se dependente da sua presença.

David E. Steele

© Soldier of Fortune, Fevereiro de 1979.

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sábado, 21 de dezembro de 2024

Condicionamento emocional: depressão


Muitos livros e artigos estão a ser escritos sobre abrigos de sobrevivência, equipamentos e armas. Tudo isso é informação de valor, mas o factor essencial para a sobrevivência será a tua saúde física e a tua estabilidade emocional. Uma quebra física ou emocional tornará o melhor equipamento e planos inúteis. A importância de uma boa condição física é bem reconhecida e pode ser mantida através de exercício, consultas médicas regulares, conhecimento de primeiros socorros e um abastecimento adequado de medicamentos. A saúde emocional é muitas vezes minimizada ou ignorada, mas é crucial para a tua capacidade de pensar e funcionar sob stress. Em situações de sobrevivência, pode esperar-se um stress extremo e prolongado.

Entre os problemas emocionais mais comuns das pessoas civilizadas está a depressão. Episódios depressivos leves e breves são comuns e inevitáveis. Todos têm dias em que se sentem tristes, exaustos ou abatidos, mas quando esses episódios se tornam graves e prolongados, são incapacitantes.

Os sintomas de depressão grave incluem: tristeza, baixa energia, falta de interesse por tudo, perda de apetite (ou comer compulsivamente), dificuldade em adormecer ou acordar cedo, e ser incapaz de voltar a dormir. Uma depressão contínua cria sentimentos de impotência, desespero e frustração. Os pensamentos giram em torno de uma perspectiva pessimista e autocrítica, aumentando a miséria e a confusão, em vez de ajudar a encontrar respostas para o problema. Em última análise, o suicídio pode parecer uma solução razoável.

As depressões de longo prazo e/ou agudas são geralmente tratadas por via da psicoterapia e da medicação antidepressiva. Quando a condição se torna avassaladora, a hospitalização pode ser necessária devido ao risco de suicídio.

As estatísticas mostram que os níveis etários para a depressão caíram de 40-50 no período pré-Segunda Guerra Mundial para os primórdios ou meados dos 30 anos hoje em dia, e as mulheres são afectadas quatro vezes mais do que os homens. As mulheres são mais propensas à depressão devido a problemas ou perdas em relacionamentos, como filhos, amantes ou maridos. Os homens ficam deprimidos quando sentem que "não estão a conseguir" em termos de confiança ou sucesso.

A depressão é descrita como um problema civilizado, porque a vida moderna, principalmente nas cidades, é causa frequente de frustração, mas bloqueia quaisquer reacções emocionais a essa frustração, principalmente a raiva. A frustração e a raiva não resolvidas são as principais causas da depressão. As taxas de suicídio, em boa medida por causa da depressão, têm sido altas no Japão, onde a sociedade é altamente estruturada e as pessoas estão aglomeradas. Os estóicos suecos também têm uma taxa alta. Em contraste, as culturas mediterrânicas consideram normais as expressões abertas de raiva e tristeza, fazendo com que estas pessoas sejam menos inclinadas ao suicídio. Culturas que exigem reprimir essas emoções fortes produzem mais pessoas com depressão e/ou problemas físicos.

A noção popular de que pessoas que ameaçam suicidar-se não o levam a cabo não é verdadeira. Algumas podem suicidar-se sem ameaçar, enquanto que outras podem ameaçar — para manipular ou obter atenção — e, finalmente, concretizá-lo. Os que ameaçam podem calcular mal e tomar comprimidos a mais ou não ter a ambulância a chegar a tempo, fazendo com que o gesto se torne realidade. Qualquer depressão que pareça grave deve ser levada a sério.

A depressão segue um ciclo à medida que avança de uma fase para a outra. (1) A frustração surge do sentimento de que deve fazer algo que não quer, ou de estar bloqueado de concretizar algo que deseja. Um exemplo do primeiro é manter um emprego que odeia porque precisa do dinheiro. O segundo é ser incapaz de obter um emprego que lhe agrada devido à falta de educação ou experiência. A frustração não aliviada leva a (2) raiva. Quer atacar verbalmente ou fisicamente a frustração ou o frustrador. Se não pode ou não o quer fazer, volta essa raiva contra si mesmo e torna-se (3) deprimido. O ciclo pode mover-se lentamente o suficiente para reconhecer as etapas, ou podem passar tão rapidamente que se sente instantaneamente deprimido.

É difícil aceitar a ideia de que a depressão começa com frustração e raiva, porque essas emoções são activas, enquanto que a tristeza é passiva. Sentir-se preso numa depressão duradoura é como estar preso em areias movediças; quanto mais se debate, mais se afunda.

Ao evitar a depressão, captando-a nas fases iniciais de frustração e raiva, tem muito mais oportunidades do que só tentar escapar-lhe uma vez que este sentimento tenha um controlo firme sobre as suas emoções.

Se se sente frustrado com uma pessoa, fale com ela, explique-lhe a sua reacção e tente resolver o problema ou trabalhar num compromisso. As probabilidades de uma solução são muito melhores do que remoer em silêncio. As pessoas muitas vezes têm relutância em falar sobre uma irritação porque esta parece ser "uma coisa tão pequena". Mas se isso o incomoda, não é pequeno. A sua reacção pessoal é a melhor medida do grau de importância.

O frustrador pode ser grande e impessoal, como o IRS, a companhia telefónica, ou outra grande empresa ou burocracia. O ditado "não se pode lutar contra a câmara municipal" expressa a sensação de impotência nessas situações. Mas muitas pessoas conseguem vencer multas de trânsito ou fazer com que o IRS reverta uma decisão. Mesmo quando não se ganha, tem-se a satisfação de ter feito o máximo que se podia. Isto, por si só, reduz a frustração. Pelo menos, podes admitir a ti próprio que estás realmente zangado, reclamar e desabafar com amigos e familiares. Envolver-te em trabalho activo e agressivo ou em desportos. Todas estas técnicas dissipam a depressão, enquanto permanecer calado e isolado alimenta a miséria.

Basicamente, nada nem ninguém pode fazer-te deprimir. Podem acontecer coisas más ou mesmo terríveis, mas os indivíduos deixam-se deprimir pela forma como reagem a esses eventos. Ao prestar atenção quando entras numa fase negativa, vais reparar que tens pensamentos como: "Nada resulta." "Porque é que isto acontece sempre comigo?" "Vale a pena tentar?" Estas e outras frases semelhantes podem parecer-te familiares. Estes pensamentos e sentimentos desencorajadores combinam-se para te derrubar. Ao forçares-te a mudar para ideias positivas e a tornares-te activo, o deslize para a depressão pode ser evitado. Tens de te obrigar, porque sem um esforço consciente e forte, o ciclo seguirá o seu curso habitual.

Eventos depressivos são comuns na vida. As pessoas envelhecem. As capacidades físicas declinam devido à idade ou à doença. Entes queridos partem ou morrem. As pessoas não são apreciadas ou falham em obter as recompensas que acreditam merecer. Os assaltos, com a perda de bens valiosos ou até insubstituíveis, estão a aumentar. Os atentados pessoais sob a forma de agressão, violação e roubo estão a crescer, a inflação e os bens caros de má qualidade efectivamente roubam o indivíduo. Os impostos tornam-se progressivamente opressivos. As ameaças de desintegração social ou guerra nuclear estão à espreita como possibilidades futuras.

Perante tudo isto, poderias raciocinar que a vida é desesperançada e desastrosa. Desistir poderia parecer o mais lógico. Por outro lado, a história mostra-nos que a vida nunca foi fácil. Eras douradas só existiram em mitos ou em nostalgia, nunca na realidade. Ao longo da história da humanidade, os principais recursos do sobrevivente foram sempre a sua inteligência, a sua resistência física, a sua imaginação e a sua flexibilidade. Era necessário manter estes recursos pessoais em óptimas condições para garantir uma existência contínua. Esse requisito é igualmente verdadeiro hoje. Não podes permitir que a tua personalidade fique incapacitada pela depressão, pela ansiedade ou pela confusão.

A vida quotidiana confronta todos com pessoas e acontecimentos frustrantes e causadores de raiva. Em situações críticas de sobrevivência, todas essas situações agravar-se-ão e é até provável que ocorram eventos devastadores. As ameaças extremas de morte, ferimentos, perda de bens, ser deslocado de casa e/ou colapso social total devem ser antecipados. Se não ficasses profundamente abalado por esses choques, não serias humano.

O objectivo do condicionamento psicológico pessoal não é tornar-te uma máquina insensível, mas sim evitar ficar imobilizado por estes golpes emocionais. Tal como noutros planos de sobrevivência, deves começar a preparar-te e a praticar agora, em vez de começar quando o desastre acontecer. A tua vida normal oferece-te muitas oportunidades para aprenderes a lidar com a frustração e reduzi-la, em vez de a alimentar. Ao aprender a trabalhar os problemas, em termos do que podes fazer em relação aos mesmos, aumentarás a tua habilidade e a tua confiança. Eventualmente, criarás uma mentalidade natural preparada para lidar com frustrações.

Mobilizar e fortalecer as tuas conexões sociais com família, amigos e grupos também ajuda. A solidão contribui frequentemente para a depressão, enquanto que a associação a um grupo de pessoas em quem possas confiar é uma valiosa fonte de apoio mútuo.

Se te deparas com uma experiência potencialmente deprimente, admite para ti mesmo que te sentes frustrado e zangado, e depois analisa o que podes fazer em relação a isso. Por vezes, apesar dos teus melhores esforços, pode não haver outra solução para o problema senão suportá-lo. Isso é, pelo menos, uma decisão, e é melhor do que te sentires como uma vítima indefesa das circunstâncias.

Este sistema de aprendizagem e prática para lidar com frustrações comuns aumenta a tua capacidade de o fazer. Os eventos perturbadores continuarão a incomodar-te, mas, com prática, tornar-se-ão menos ameaçadores. Tornar-te-ás mais habilidoso em encontrar soluções e confiarás mais em ti para tomar decisões.

Esta abordagem de aprendizagem e prática fortalece as tuas emoções da mesma forma que o levantamento regular de pesos constrói músculos. A previsão precisa de crises futuras é impossível, mas a pessoa que estiver preparada, praticando agora, será capaz de gerir as suas reacções e tomar melhores decisões quando confrontada com as perturbações que inevitavelmente acompanharão um verdadeiro período de sobrevivência.

Robert R. Douglas

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Liberta-te à tua maneira!


Tradução de How to Make it Your Way, © Mother Earth News | Janeiro/Fevereiro de 1970, traduzido sob expressa autorização. 

O ar está cheio de porcarias, a água tem um sabor estranho, e o trabalho das nove às cinco é uma seca. Estás farto do metro, dos dejectos de cães nas ruas, do trânsito caótico e dos jantares de plástico à frente da televisão. Talvez as ecoaldeias — com todo aquele ar puro, sol, amor e pão caseiro — estejam realmente a viver algo de especial.

Mas como é que se faz isso? O "Turn On, Tune In, Drop Out" de T. Leary é um sentimento nobre... mas não apresenta propriamente um plano pormenorizado. Será que é mesmo possível mandar o chefe para o diabo que o carregue, erguer a cabeça e ir embora como um homem livre... sem morrer de fome?

Claro. É fácil. A aldeia electrónica global é agora! Exactamente como McLuhan, Theobald e Bucky Fuller nos lembram constantemente. Já ninguém precisa de viver em segunda mão. O mundo da escassez material está morto. Viva a Energia Livre. O tempo e o espaço agora são moldáveis, e a vida é exactamente aquilo que fazes dela.

Resumindo, há duas maneiras de viver: (1) Jogar "o jogo." Tentar ganhar dinheiro primeiro e — assumindo que o consegues obter — comprar o tipo de vida que desejas. Ou, (2) livrares-te das amarras, criar já a tua própria cena, e deixar que o problema do dinheiro se resolva por si mesmo.

Se tens algum dinheiro, óptimo. A tua escolha inicial pode ser um pouco mais ampla. Se não tens dinheiro, não te preocupes. Isso não limita o teu estilo de vida. Além disso, podes facilmente ser pago para fazer exactamente aquilo que já queres fazer. Não importa se os "Bons Tempos" para ti significam regressar à terra ou se tens aspirações a, digamos, andar em digressão com uma banda famosa. As duas opções são fantásticas e possíveis. Eu já fiz ambas as coisas e outros estilos de vida pelo meio. E tu também o podes fazer.

Por exemplo, esta ideia de "regressar à natureza" actualmente é muito popular e está a ganhar força. Suponhamos que queres entrar nessa onda, mas que tens pouco ou nenhum dinheiro. Bem, independentemente do que "eles" te dizem, é possível. A terra não está toda ocupada.

Como Bradford Angier nota no seu livro Como Viver no Mato Por Uns Cêntimos,  existem vastas áreas de natureza intacta e praticamente desabitada espalhadas pela metade superior deste continente. É um território "onde a carne ainda se caça de graça, há peixe para pescar, frutas e vegetais para colher, combustível para cortar, e se tem uma casa pelo prazer de a construir." Angier fala-nos da sua experiência em primeira mão de ter criado raízes na Colúmbia Britânica, a província mais ocidental do Canadá.

E toda aquela terra vazia no Alasca e no Canadá? É realmente gratuita? Bem... tecnicamente, não. Supõe-se que devas pedir uma licença para ter uma quinta ou algo do género, pagar uma taxa média de entre um a cinco dólares por acre, e incluir o teu nome nos registos fiscais.

Mas isso é uma chatice, então por que não fazer o que os colonos sempre fizeram na fronteira: ocupar a terra. Alguns quinteiros com quem falei na Colúmbia Britânica recomendam-no. Basta consultares um mapa da área para evitares invadir terras já ocupadas, aventurar-te no mato, escolher um local e construir a tua cabana. Se alguém algum dia quiser comprar ou arrendar o teu terreno, terás, como ocupante, direito de preferência para adquirir o título de propriedade. Então, para quê preocupares-te já com a burocracia?

Já agora, nem o Canadá nem o Alasca são só gelo e neve. Cai menos neve no Sudeste do Alasca do que anualmente em Chicago. As hortas no extremo norte são fantásticas, com couves do tamanho de bacias de lavar roupa, e alguns frutos silvestres crescem tão densamente que são considerados uma praga. As ilhas Rainha Charlotte, ao largo da costa da Colúmbia Britânica, combinam um clima extremamente ameno e o limite legal de se poder caçar um veado por dia, por pessoa, se o teu objectivo for viver dos recursos da terra.

Se queres escapar... mas sem ter de ir tão longe, investiga os milhares e milhares de hectares de terras governamentais espalhadas pelos nossos próprios Estados ocidentais. Podes, na prática, reclamar uma parte como tua, se tiveres um motivo "legítimo". Traduzido livremente, isto significa se pretenderes explorar essa terra de alguma forma. [NDT - esta lei da livre ocupação de terrenos que sejam propriedade pública, ou seja, do governo, ainda se encontra em vigor nos Estados Unidos da América, na Europa os nossos governos agem como se a propriedade estatal fosse privada, conseguimos ser piores que a capital do capitalismo mundial neste aspecto.]

Muito bem. Joga o jogo deles. No Arizona, por exemplo, já vagueei por quilómetros e quilómetros de terra deslumbrante onde podes registrar uma concessão de mineração reconhecida ao inscreveres-te num escritório local e cavando um buraco de 1,20 por 1,80 por 3 metros de profundidade. Naturalmente, depois de provares a existência da tua concessão dessa forma, vais querer mudar-te para a propriedade para a manteres debaixo de olho. Para manteres o terreno, é necessário investir cem dólares em aperfeiçoamentos e pagar alguns dólares de imposto todos os anos.

Uma vez mais, se isto for demasiado trabalhoso, vai pura e simplesmente para as colinas e ocupa a terra. Milhares de outros já o fizeram.

Se o teu objectivo é obter um título legal de terras férteis próximas de uma cidade vibrante... isso também é possível. Não será completamente gratuito, mas podes por vezes adquirir uma quinta abandonada pagando os impostos em atraso. Isso requer alguma investigação e habilidade [NDT - em Portugal recomendamos consultar propriedades que estejam em leilão público, no Portal das Finanças], no entanto, a maneira mais simples é comprar uma pequena quinta familiar que um casal idoso queira vender. Os catálogos da Strout e da United Farm Agency — regularmente anunciados nas secções de classificados de muitas revistas e jornais — listam sempre várias quintas dessas  em todas as partes do país. Algumas podem ser adquiridas por meros quatrocentos dólares como entrada. Ecoaldeias recém-formadas e jovens casais com planos para criar uma propriedade rural estão a adquirir estas quintas a um ritmo cada vez maior.

E depois de conseguires obter o teu terreno, o que fazer quanto a um abrigo? A decisão é tua: deixa a tua imaginação voar!

Leary e centenas de outros estão actualmente na onda de viver como os aborígenes, a viver em tendas indígenas das planícies. Faz sentido, pois, ao contrário das tendas dos brancos, uma tenda indígena bem construída é quente no Inverno, fresca no Verão e capaz de resistir a tempestades de vento que podem destruir uma casa convencional. O livro The Indian Tipi, de Reginald e Gladys Laubin, irá imergir-te na rica tradição deste abrigo prático e ensinar-te a construir um.



Se preferires algo mais substancial, podes construir uma casa moderna ao estilo de casa de quinta por um custo incrivelmente baixo utilizando apenas terra. Existe até um manual de instruções definitivo, Handbook For Building Homes Of Earth, gratuito e disponível através do HUD, Division of International Affairs, Washington, D.C. A estrutura básica custar-te-á pouco mais do que o teu trabalho braçal e, possivelmente, alguns euros para as fundações. Isto supera claramente uma hipoteca de trinta anos ou rendas mensais superiores a centenas de euros. [NDT - em Portugal e no Brasil está disponível o livro Manual do Arquitecto Descalço de Johan van Lengen, a edição em português de Portugal da Dinalivro está esgotada, mas a edição brasileira está disponível nas Bertrand. O livro ensina a construir uma aldeia completa utilizando terra, barro, pedras e madeira.)

Por outro lado, se estiveres a ocupar terras, é provável que por perto haja a cabana abandonada de um caçador ou de um mineiro, para onde possas mudar-te ou cujos materiais possas utilizar para construir um novo abrigo. Se compraste uma quinta, provavelmente já escolheste uma com uma casa habitável e celeiros em condições razoáveis.

Ou, como estão a demonstrar alguns que já largaram tudo para serem livres, podes viver numa estrutura tão moderna como o dia de amanhã, mesmo com recursos limitados: no sudoeste dos EUA, alguns novos pioneiros estão a construir cúpulas auto-sustentáveis a partir dos tejadilhos de carroçarias de automóveis abandonados em sucatas. Este método combina o melhor e o pior da tecnologia moderna num abrigo inovador.

Como os tejadilhos de automóveis podem ser obtidos gratuitamente ou por alguns euros cada, uma cúpula de nove metros de diâmetro pode ser erguida por um valor muito em conta.

Com terra e abrigo garantidos, vais provavelmente querer focar-te na comida, que será de uma qualidade muito superior às opções de plástico que se encontram nos supermercados. Ar puro, luz solar e uma horta onde "frutas e vegetais são gratuitos para se colher" combinam-se naturalmente, tal como os ovos e o presunto da tua própria quinta. Uma subscrição da Organic Gardening transformar-te-á num perito em jardinagem em menos de um ano... e ensinar-te-á sobre galinhas, porcos e vacas também. [NDT - em Portugal o que temos mais aproximado disto é a revista Jardins, onde até colabora um dos membros da nossa redacção.]

Se cultivar os teus próprios alimentos te intimida, ainda podes viver bem colhendo a tua parte das toneladas de alimentos gratuitos disponíveis em cada quilómetro quadrado da América rural. Os melhores guias para esta abundância são os três livros de Euell Gibbons: Stalking The Wild Asparagus, Stalking The Blue-Eyed Scallop e Stalking The Healthful Herbs. [NDT - em Portugal e no Brasil existem várias obras sobre plantas selvagens comestíveis, é uma questão de pesquisares os mesmos em alguma livraria de maior dimensão e, obviamente, no Google.]

Gibbons concretiza regularmente tudo o que escreve, o que vai desde apanhar mel em árvores até colher bagas, vegetais e até mesmo preparar vinho de dente-de-leão e compota de pétalas de rosa.

Mas talvez esta ligação à natureza não te fascine. Suponhamos que adoras o teu apartamento na cidade, que preferes refeições em restaurantes, e que tudo o que realmente precisas para completar a tua vida é viajar, ver novos cenários e explorar lugares distantes. Óptimo. Também podes fazer isso sem dinheiro... e em grande estilo.

Um método cada vez mais popular é através do serviço de entrega de automóveis. Se tens pelo menos vinte e um anos e uma carta de condução válida, podes ir de praticamente qualquer grande cidade para qualquer ponto nos EUA conduzindo um automóvel para outra pessoa. Serviços como a AAACON e a Auto Driveaway tratam de todos os pormenores e anunciam-se nas secções de classificados "Pessoais" e "Transportes" dos grandes jornais.

Talvez tenhas de ajustar ligeiramente a data de partida para conseguir um carro com "combustível pago", mas, quando conseguires, se dormires no carro ou acampares ao longo do caminho, a viagem custar-te-á apenas a comida. É até possível obteres dinheiro suficiente para cobrir todas as despesas e ainda guardares algum no bolso. E lembra-te: terás o uso privado de um automóvel pessoal, algo geralmente caro. Carrega-o com equipamento e esquece todas as complicações com que se debatem os que viajam à boleia. Conheço nomes grandes do rock que ocasionalmente transportam guitarras e amplificadores desta forma. Uma vez, conduzi uma série de três carros de luxo de Nova Iorque até Anchorage, no Alasca, com menos de dois dias de intervalo entre mudanças... e ainda ganhei dinheiro na viagem.

Também podes saborear o romantismo de viajar "à boleia"... mas em aviões particulares ou comerciais. Faço isso há quinze anos; é simples.



Vai até a qualquer aeródromo privado de tamanho médio-grande num dia agradável e posiciona-te perto da linha de voo, da área de estacionamento de aeronaves ou do escritório de operações. Quando vires alguém a dirigir-se para um avião de forma profissional, pergunta se está a ir na tua direcção. Podes apanhar uma boleia de 3.000 quilómetros. [NDT - este texto está extremamente datado neste aspecto, o terrorismo político e religioso fez com que os aeroportos sejam das zonas mais restritivas e vigiadas no nosso tempo, mas é agradável recordar quão simples já foram os tempos noutras eras.] 

"Mas não vou precisar de saber muito sobre aviação?" Não. Os pilotos adoram apresentar os novatos ao mundo da aviação, e a falta de conhecimento pode ser a tua qualidade mais encantadora. No entanto, se te sentires desconfortável em andar pelos aeródromos, podes fazer umas aulas introdutórias de voo de cinco dólares que a Piper e a Cessna oferecem. Caso contrário, veste-te de forma asseada e leva só uma mala muito pequena. Vais conseguir boleias.

Se viajar de avião à boleia não for a tua preferência, que tal ser convidado para um cruzeiro pelo Pacífico Sul, pela Riviera ou até à volta do mundo num iate privado? Sim, parece bom demais para ser verdade. Mas é verdade. [NDT - hoje em dia ainda se recrutam pessoas desta maneira para tripulação de iates, seja por precisarem de alguém por terem tido uma ausência inesperada de um tripulante, por quererem companhia ou até, se tiveres experiência, para ires entregar um barco. Nos Açores ainda é comum encontrarem-se pedidos deste género nos anúncios dos jornais locais ou em folhas afixadas em bares frequentados por iatistas, como o mítico Peter Café Sport.]

Vai a um porto de iates. Quanto maior, mais luxuoso e mais glamoroso, melhor. O Ala Wai Basin, junto à Praia de Waikiki em Honolulu, funcionava magnificamente para mim, e amigos que viajaram pela Europa dizem que os pontos de escala mais caros ao longo do Mediterrâneo são fantásticos. Se estiveres nos Estados Unidos continentais, encontra a cidade costeira mais próxima com uma cena náutica extensa e dirige-te para lá.

Anda pelos ketches, escunas e yawls de pelo menos doze metros de comprimento. Se estiveres vivo, a respirar e fores capaz de te manteres de pé, deves receber duas ou três ofertas de cruzeiro por semana. Um aviso de "procura-se boleia" no quadro de anúncios do porto pode desencadear uma procura pela tua pessoa.

Porquê? Porque muitas pessoas ganharam muito dinheiro recentemente, e grande parte desse dinheiro foi gasto em iates de luxo. Afinal, além de um Learjet, o que mais existe como manifestação de puro prestígio? Por outro lado, é preciso uma tripulação para navegar um desses barcos, e as tripulações são caras e difíceis de encontrar, a menos que... a menos que se encontre alguém disposto a ir até ao Rio, Cidade do Cabo ou Taiti com tanto entusiasmo que aceite ajudar a tripular o barco em troca da viagem, das refeições e — talvez — cinquenta euros de bónus. E é aqui que tu entras a bordo.



Portanto, sim, é possível libertares-te... mas de onde virá o dinheiro? Podes realmente fazer exactamente o que queres e ainda conseguir ganhar dinheiro? Absolutamente. Na verdade, é mais provável que ganhes grandes quantidades de dinheiro se estiveres alegremente em sintonia contigo próprio.

Esta é a era da Informação Electrónica. Qualquer conhecimento que tenhas é uma mercadoria comercializável. Vai onde a tua curiosidade te levar. Desenvolve as habilidades e cultiva os interesses que queres ter. Depois, troca esse conhecimento especializado pelo dinheiro que outros estarão ansiosos por te oferecer. [NDT - temos o exemplo de milhares de nómadas digitais, criadores de conteúdos que ganham a vida a gravar as suas viagens, idas a restaurantes, o seu estilo de vida na quinta, a construir coisas e, com destaque para o Brasil, a ensinar a terceiros a arte e a liberdade do estilo de vida sobrevivencialista. Em Portugal destacamos o Project Kamp, em que um grupo de jovens ecologistas em poucos anos já conseguem angariar dezenas de milhar de euros no seu canal e em campanhas de crowdfunding.]

Bradford Angier retirou-se para uma cabana remota nas Montanhas Rochosas canadianas... e fez uma pequena fortuna a escrever sobre isso. A minha companheira adora cavalos ingleses de sela. Sabe tanto sobre eles que agora consegue dar aulas a dez alunos ao mesmo tempo, cobrando cinco dólares a cada um. Eu gosto, de entre todas as coisas, de construir pequenos aviões caseiros para uma ou duas pessoas, que se constroem em casa, e consigo um rendimento acima da média em consultoria com informações sobre isto.

Vai para onde queiras estar e aproveita a percentagem de conhecimentos gratuitos que lá existirem. Passado algum tempo, serás considerado uma autoridade num qualquer assunto, um artesão ou — no mínimo — uma referência na tua área de eleição. Quando o dinheiro começar a aparecer, terás a tua parte.

E também vais conseguir obter algumas recompensas inesperadas e suculentas. Como uma digressão de dois meses pela Europa, com todas as despesas pagas mais salário, ao lado das pessoas que amas. Aconteceu comigo, e tudo porque gostava de música folk quando esta estava em alta e passava muito tempo nos cafés onde esta era tocada. Gradualmente, fui conhecendo — e criando uma relação próxima — com vários músicos. E, como eu era praticamente o único no grupo que não actuava, adivinha quem foi a escolha lógica quando os Bitter End Singers precisaram de um gestor de digressão para a sua viagem europeia? Exactamente.

E a moral da história é simplesmente esta: podes sair da gaveta onde "eles" te querem manter, e podes viver exactamente a vida de sonho que desejas. Basta fazê-lo.

Tradução e notas de Flávio Gonçalves bem como o promptcraft das ilustrações.

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sábado, 14 de dezembro de 2024

Casas, habitadas por famílias isoladas de um mundo hostil


Nas curvas acentuadas da montanha, lá vão eles, com focinho e cauda, como tantos elefantes de circo, a mover-se lentamente. Os emblemas da Good Sam nos seus enormes traseiros de fibra de vidro identificam aqueles no interior como sendo pessoas claramente simpáticas. Observa as antenas de televisão dobradas e achatadas nos seus tectos, prontas a serem desdobradas instantaneamente à chegada, não importa onde estas barcaças decidam assentar. Não tenho nada contra autocaravanas, per se, excepto o facto de que são "casas", habitações principais. Habitantes de apartamentos, suburbanos, agricultores das planícies, mecânicos, trabalhadores da era aeroespacial, uma amostra da América, podemos encontrá-los em qualquer fim de semana, durante todo o Verão, a viajar nas suas casas de 4 ou 8 rodas.

"Mas que mal é que isso tem?", perguntas tu. 

Nada, respondo eu, excepto... 

As casas, abrigos primários, têm todas as coisas boas da vida americana: comida, aparelhagens, revistas que assinaram, paredes, janelas, cozinhas, chuveiros quentes, camas de tamanho king, salas de estar, armários, lavandaria, sala de jantar, escritório, sala de trabalho, sala de jogos, todas habitadas por famílias isoladas de um ambiente maioritariamente hostil. Muito agradável.

Agora aceita a premissa de que se pode acoplar uma habitação principal, com todas essas comodidades, a um chassi de camião de 1 ou 2,5 toneladas e tens uma casa motorizada, uma autocaravana. Muito agradável.

Segue-se que essas habitações principais sobre rodas, habitadas por essas mesmas famílias, movem-se em massa para "acampar" enquanto desfrutam dos bosques, das montanhas, do deserto, da costa, ainda protegidas da realidade hostil do mundo real.

Aqui estão alguns episódios da minha experiência pessoal: 

Estou a acampar com a minha família ao estilo mochila às costas. Caminhamos, pescamos e observamos as estrelas. ("Qual delas é a Estrela Polar, pai?") Dei algumas instruções às crianças. Mas agora já é de noite. Terminámos um jantar cozinhado num fogão de acampamento do Serviço Florestal. Estou a tocar banjo e estamos todos a cantar — mais a uivar para a Lua — mas a desfrutar de uma fogueira, de um café quente e de guaxinins curiosos. Uma autocaravana chega ao acampamento e manobra trabalhosamente para conseguir estacionar. O motorista, uma figura escura, salta, vai até à traseira do veículo e liga um gerador eléctrico. R-R-Rrrrrrrrrrrrrr...!

Abafou a nossa cantoria. O dono da carrinha habitável voltou para a sua casa de alumínio e espuma isolante. Uns segundos mais tarde, o brilho azul-branco de uma televisão acesa permeia o espaço dentro e fora da carrinha, ofuscando as estrelas. 

Uma outra vez, quando era mais novo, consideravelmente mais resistente e certamente mais imprudente, estava a viajar de mota sozinho — isto é, só com algum equipamento leve para cozinhar e dormir. Nesse dia específico, ao pôr do sol, estava a 15 milhas do parque de campismo onde planeava ficar. Era Dezembro, muito frio, tão frio que lanças de gelo penetravam as minhas várias camadas de couro e roupa térmica, até aos ossos. No acampamento, o meu saco-cama de penas de pato era simplesmente desadequado. A minha garrafa de água congelou por completo. Tremi tanto que não conseguia dormir, mas nunca esquecerei aquela noite com a Via Láctea tão clara e próxima que quase lhe conseguia tocar enquanto arqueava pelo céu. E uma fila de nuvens, sopradas dos picos de 10.000 pés nas proximidades, voava num majestoso comboio rumo ao México. Pela manhã, a terra, as árvores e eu próprio fomos cobertos por uma leve camada de flocos de neve que reflectiam a luz das estrelas. O Sol nasceu e a neve derreteu quase de imediato. Pude ver vapor quente e húmido a sair da ventilação do chuveiro da caravana no espaço de campismo ao lado. À medida que o Sol subia e o frio diminuía, preparei o peque-almoço — chili quente. Por essa altura, a senhora da carrinha ao lado saiu. Abraçando-se a si mesma, caminhou até ao meu acampamento minimalista e disse, sorrindo, amigável: "porra, que está fresquinho, não está?"

Nenhuma das famílias destas carrinhas habitáveis descritas acima tinha visto a Lua, criaturas selvagens, a Via Láctea, as nuvens ou a neve, nem tinha feito música com as próprias vozes, ou aprendido a localização da Estrela Polar. Não, elas tinham trazido as suas casas consigo para se protegerem e isolarem do ambiente. Temperatura controlada, televisão, frigoríficos e fogões mantinham-se entre essas pessoas e os elementos, a magia e as travessuras da Terra. Estas pessoas poderiam muito bem ter ficado em casa. Elas não encontraram nada, não ganharam qualquer experiência. Elas estiveram, bem visto, em casa o tempo todo.

O que farão estas famílias quando, como resultado de desastres, cataclismos ou conflitos, os seus abrigos principais forem destruídos, tornando-se inabitáveis? Os inexperientes, os isolados, aqueles que só sabem estar sempre "em casa", perecerão, sem saber como lidar com um mundo sem casas.

Aqueles de nós que se chamam de sobrevivencialistas devem, a cada oportunidade, transformar cada experiência numa oportunidade de aprendizagem, de sobrevivência em situações da vida real que não são, de modo algum, como estar em casa.

Dave Epperson

© American Survival Guide, Vol. 6 Nº 6, Junho de 1984.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

A natureza deixa-nos mesmo mais felizes


Estudos científicos dão-nos provas contundentes de que o tempo que passamos na natureza nos revigora tanto o cérebro como o corpo.

À medida que a sociedade ocidental se desenvolveu, afastámo-nos dos Grandes Exteriores, atribuindo mais importância às conquistas tecnológicas e às criações humanas. Há cada vez mais dados científicos que revelam que, ao afastarmo-nos da natureza, não só nos distanciámos dos problemas ambientais ao nível das crises, como também começámos a perder contacto com uma ferramenta vital para a nossa saúde mental. Ao negarmo-nos a passar tempo em espaços verdes, corremos o risco de rejeitar uma parte essencial do nosso legado — uma verdade que, ironicamente, agora conseguimos ver mais claramente graças aos avanços na tecnologia médica.

A ciência de vermos paisagens verdes

Curandeiros de várias alternativas medicinais, desde a medicina Ayurvédica da Índia até à medicina tradicional chinesa, têm defendido há muito a importância da natureza. De facto, em muitas culturas, é considerada uma forma de medicina. Mas a noção de que as árvores e as flores podem influenciar o bem-estar psicológico permaneceu em grande parte por ser testada cientificamente até 1979, quando o cientista comportamental Roger S. Ulrich analisou a influência mental das paisagens naturais em estudantes stressados. Os seus testes psicológicos mostraram diferenças nos estados mentais e nas perspectivas pessoais depois de os estudantes visualizarem vários cenários ambientais. As imagens da natureza aumentaram sentimentos positivos de afecto, brincadeira, amizade e euforia. Por outro lado, as paisagens urbanas cultivaram destacadamente uma só emoção nesses estudantes: tristeza. A visualização da natureza tendia a reduzir sentimentos de raiva e agressividade, e as paisagens urbanas tendiam a aumentar esses sentimentos. Encorajado pelos seus resultados, Ulrich organizou uma experiência semelhante para medir a actividade cerebral em adultos saudáveis e não stressados. A sua equipa descobriu que ver paisagens naturais estava associado ao aumento da produção de serotonina, um químico que actua no sistema nervoso. Quase todos os medicamentos antidepressivos são considerados eficazes ao melhorar a disponibilidade de serotonina para uso na comunicação entre células nervosas, daí o seu apelido, "o químico da felicidade". Um estudo de seguimento mostrou que os espaços verdes actuavam como uma espécie de Valium visual: as paisagens da natureza fomentavam pensamentos positivos e reduziam a raiva e agressividade pós-stress.

Muitos outros investigadores contemporâneos recorreram a testes objectivos para apoiar o trabalho pioneiro de Ulrich:

  • Num dos estudos, adultos mais velhos num centro de cuidados residenciais no Texas participaram das mesmas actividades mentais em dois contextos — uma vez num jardim e outra vez numa sala de aula interior. Demonstrou-se que os participantes produziram níveis mais baixos da hormona do stress, cortisol, enquanto estavam no jardim.
  • A presença de plantas numa sala, principalmente plantas com flores, pode melhorar a recuperação do stress induzido por um vídeo emocional, trazendo rapidamente a actividade das ondas cerebrais aos níveis normais, descobriram investigadores da Universidade Estatal do Kansas.
  • Um grupo de investigação de Taiwan relatou que paisagens de quintas rurais estão associadas a uma maior actividade das ondas alfa, principalmente na parte direita do cérebro, que tem sido associada à criatividade. Paisagens de florestas e paisagens naturais com água promovem a actividade das ondas alfa e diminuem a frequência cardíaca. Por outro lado, às paisagens urbanos foi associado um aumento na tensão muscular.

Banhos de floresta

Entre as muitas razões para preservar o que resta das nossas florestas, destacam-se os aspectos mentais. Em 1982, a Agência Florestal do governo japonês lançou o seu plano de shinrin-yoku. Em japonês, shinrin significa floresta, e yoku refere-se aqui a "banhar-se". De forma mais ampla, é definido como "absorver, com todos os nossos sentidos, a atmosfera da floresta". Em 1990, o Dr. Yoshifumi Miyazaki da Universidade de Chiba levou a cabo um pequeno estudo de teste de shinrin-yoku na bela paisagem de Yakushima, lar das florestas mais veneradas do Japão. Miyazaki encontrou níveis mais baixos de cortisol nos sujeitos de estudo após ests terem efectuado caminhadas na floresta, comparado com aqueles que caminharam no ambiente controlado do laboratório.

Desde então, investigadores universitários e governamentais no Japão têm colaborado em investigações pormenorizadas, incluindo projectos para avaliar marcadores fisiológicos enquanto os sujeitos de estudo passam algum tempo entre árvores. Estes estudos confirmaram que passar algum tempo num ambiente florestal pode reduzir o stress psicológico, sintomas depressivos e hostilidade, ao mesmo tempo que melhora o sono, e aumenta o vigor e a sensação de vivacidade. Estas mudanças subjectivas correspondem a resultados objectivos reportados em quase uma dúzia de estudos — que uma pressão arterial mais baixa, as pulsações e os níveis de cortisol acompanham o tempo passado entre árvores e flores. As hormonas de stress podem comprometer os nossos sistemas imunitários, principalmente as actividades dos defensores de primeira linha, como as células antivirais. Graças ao facto de banhos de floresta poderem reduzir a produção de hormonas de stress e elevar o humor, não é surpreendente que isto também influencie a força do sistema imunitário.

Plantas, dores e doença

Em 1984, Ulrich publicou um estudo pioneiro na prestigiada revista Science, no qual examinou os registos de adultos que tinham sido submetidos à mesma cirurgia de vesícula biliar no mesmo hospital. A única grande distinção entre os pacientes era o quarto para o qual foram levados para a recuperação. Os quartos de um lado do hospital tinham janelas com vista para uma minifloresta, enquanto que os quartos do outro lado ofereciam uma vista radicalmente diferente para tijolos vermelhos. Os resultados foram bastante relevantes: aqueles que tinham uma vista exterior para árvores tiveram estadias hospitalares significativamente mais curtas, menos queixas pós-cirúrgicas e conseguiram gerir a sua dor com aspirina em vez de com narcóticos. Outros estudos confirmaram as descobertas de Ulrich. Entre eles:

  • Uma investigação norueguesa mostrou que ter uma planta no local de trabalho de um escritório ou à vista diminui significativamente a quantidade de baixas médicas por parte dos trabalhadores.
  • Uma investigação publicada em 2008 no Journal of the Japanese Society for Horticultural Science mostrou que tornar mais verdejantes as salas de aula do ensino secundário seleccionadas para o estudo com plantas em vasos reduziu significativamente as visitas dos alunos à enfermaria da escola, comparativamente ao número de visitas dos alunos que frequentavam aulas em salas sem plantas.

Bairros verdes

Projecções da Organização Mundial de Saúde indicam que em menos de 20 anos, 75% da população mundial viverá em ambientes urbanos, em comparação com a distribuição actual de cerca de 54% de habitantes urbanos. A capacidade potencial de um único factor — o tempo na natureza — para contrariar uma cascata de hormonas de stress terá implicações enormes tanto para nós como para as gerações futuras.

Dado que muitos aspectos da saúde humana e até mesmo a longevidade são negativamente influenciados pelo stress, deduz-se que os espaços verdes promovem a saúde, a vitalidade e a longevidade humana. Muitas investigações confirmam-no. Quanto mais perto a nossa família vive de um espaço verde, mais saudável é provável que seja e mais longa será a vida que provavelmente terá. Estar na natureza por períodos breves — mesmo que seja só tê-la à vista — pode reduzir a enxurrada de hormonas de stress e melhorar as defesas imunológicas.

O nosso cérebro na natureza

Os críticos poderiam sugerir que os sujeitos de estudo que relatam uma melhoria do humor ao visualizar paisagens naturais estavam só a assinalar as caixas certas para irem ao encontro das expectativas dos investigadores. O verdadeiro teste objectivo seria a capacidade de entrar no cérebro e analisá-lo enquanto está focado na natureza.

Na década de 90, investigadores na Califórnia obtiveram essa capacidade ao utilizar a ressonância magnética funcional (MRI), uma técnica sofisticada de imagem cerebral. Os seus resultados mostraram que paisagens da natureza esteticamente agradáveis activavam uma parte específica do cérebro rica em receptores opioides. Estes receptores conectam-se às células cerebrais dentro do sistema de recompensa da dopamina e têm o potencial de desencadear sentimentos de bem-estar e de impulsionar a motivação necessária para um comportamento mais positivo.

Isto foi uma descoberta incrível, revelando que a natureza age como uma pequena gota de morfina para o cérebro. Embora sejam mais conhecidos por inibir a dor, os receptores opioides fazem muito mais que isso. Quando activados, as pessoas têm menos probabilidade de se aperceberem como estressadas, ficam mais propensas a formar laços emocionais, e tendem a focar-se menos em memórias negativas.

Em dois estudos separados, investigadores coreanos utilizaram imagens para avaliar padrões de activação cerebral enquanto os sujeitos de estudo visualizavam paisagens urbanas ou naturais. No primeiro estudo, a visualização das paisagens urbanas resultou numa actividade mais pronunciada na amígdala, um centro no cérebro mais frequentemente associado a sentimentos de medo. A hiperactividade deste centro tem sido ligada à impulsividade e à ansiedade. Além disso, o stress crónico e o cortisol podem promover actividade na amígdala, e nesse estado hiperactivo, tendemos a priorizar selectivamente a memória de eventos e experiências negativas. Isto torna-se num ciclo vicioso: o mundo parece ser um pouco mais assustador e deprimente, e as nossas memórias dominantes confirmam tal como sendo verdade. Quando a amígdala está constantemente excitada, alimenta a sensação de medo no cérebro. A boa notícia é que podemos recuperar o controlo reconhecendo os nossos processos de pensamento e colocando-nos em ambientes que irão reduzir o medo.

Quando estudos de grandes populações que indicam um efeito de amortecimento do stress são sobrepostos a estudos que usam avaliações subjectivas e objectivas de humor e stress — e quando esta informação é, por sua vez, sobreposta a dados hospitalares e estudos de imagiologia cerebral — a destaca-se a influência da natureza. E quando se junta a isto as dezenas de estudos de banhos de floresta do Japão, o argumento de que passar tempo na natureza não tem consequência na saúde e fisiologia humana torna-se impossível de manter.

Os resultados destas investigações científicas deveriam despertar em todos nós a importância de preservar a natureza. O bem-estar dos indivíduos e das nações — e claramente do planeta — depende do reconhecimento de que o contacto com a natureza é essencial para a saúde humana.

Eva M. Selhub e Alan C. Logan

A Dra. Eva M. Selhub é associada clínica no Instituto Benson-Henry de Medicina Mente e Corpo no Hospital Geral de Massachusetts e professora na Faculdade de Medicina de Harvard. Alan C. Logan é médico naturopata, cientista e investigador independente. Este artigo baseia-se num excerto do livro de ambos, Your Brain on Nature: The Science of Nature’s Influence on Your Health, Happiness and Vitality, disponível em www.HarperCollins.ca.

© Mother Earth News | traduzido sob expressa autorização, publicado originalmente no nº 273 Dezembro de 2015/Janeiro de 2016.

domingo, 8 de dezembro de 2024

Vamos libertar as nossas sementes


Os jardineiros mais atentos que bisbilhotaram os catálogos de sementes seleccionadas para este Inverno e Primavera podem ter reparado numa nova categoria desconhecida: as sementes de "Código Aberto". Esta nova marca, etiquetada como "Código Aberto", "OSSI" ou "Iniciativa de Semente de Código Aberto", posiciona-se ao lado de designações mais familiares, como as "legado" e "Orgânico Certificado", destinadas a ajudar os compradores a restringirem as suas escolhas. Mas a OSSI na realidade é mais uma anti-marca uma vez que designa "sementes livres". Isto significa que qualquer variedade com esta etiqueta não está sobrecarregada por patentes e outras restrições que, cada vez mais, retiram várias variedades de circulação, já que as sementes patenteadas não podem ser legalmente guardadas, replantadas ou partilhadas, e devem ser compradas todos os anos.

O mais preocupante é que a genética patenteada não pode ser utilizada para fins de aperfeiçoamento de plantas, o que significa que os criadores nas universidades e nas pequenas empresas de sementes — que realizam trabalhos promissores, principalmente com sementes orgânicas — sentem em primeira mão esta diminuição da diversidade. Perde-se assim esta matéria-prima é devido ao controlo empresarial. Neste vácuo genético cada vez maior, os criadores de plantas não podem aceder à diversidade do que deveria ser o nosso património partilhado de sementes. Agora, principalmente, precisamos de novas variedades que estejam melhor adaptadas ao cultivo orgânico e a um clima em constante mudança.

É aqui que entra a Iniciativa de Semente de Código Aberto. É um bem comunitário aberto para germoplasma (material genético), fundada em 2012 como uma colaboração entre criadores, agricultores e empresas de sementes, e modelado a partir do software de código aberto. A OSSI estabeleceu um caminho alternativo paralelo às poucas gigantes empresariais que possuem a maior parte dos activos globais de sementes. "Estamos a trabalhar para construir um modelo comercial para que as pessoas possam comprar sementes livres", diz Jack Kloppenburg, membro do conselho da OSSI e sociólogo emérito da Universidade do Wisconsin, Madison. Este tem lutado contra o controlo empresarial das sementes há três décadas. "Não importa o que a Monsanto, a Seminis e a Syngenta façam, a OSSI pode fazer o seu próprio trabalho em paralelo, de forma proactiva. Não é que não nos preocupemos com o que acontece lá fora; os problemas são substanciais. Mas na medida em que a OSSI puder apoiar e fazer parte do sistema alternativo, é aí que queremos estar."

A autora e criadora de plantas da OSSI, Carol Deppe, de Fertile Valley Seeds do Oregon, também está a travar esta batalha. "O antigo modelo de domínio público de um bem comum como sementes, em última análise, não funciona; é uma batalha perdida", diz ela. "Nós, criadores de código aberto, continuamos a colocar germoplasma aperfeiçoado em prol do bem comum, mas as grandes empresas continuam a retirá-lo." Para enfrentar isto, a táctica da OSSI tem um toque especial: vem na forma de um compromisso simples, aceite tanto pelos criadores como por aqueles que posteriormente utilizam as sementes comprometidas. Os criadores concordam em compartilhar os resultados do seu trabalho original livremente, com a provisão de que qualquer pessoa que depois utilize a semente comprometida também concorde em compartilhar livremente quaisquer resultados da sua criação — tornando a OSSI não só um bem comum, mas também um bem comum protegido.

Outros criadores proeminentes da OSSI incluem Tom Stearns da High Mowing Organic Seeds, Frank Morton da Wild Garden Seed e Irwin Goldman da Universidade do Wisconsin, Madison. As primeiras 15 empresas a oferecer sementes comprometidas pela OSSI são as Adaptive Seeds, Backyard Beans and Grains, Bountiful Gardens, Cultivariable, Family Farmers Seed Cooperative, Fedco Seeds, Fertile Valley Seeds, Fruition Seeds, High Mowing Organic Seeds, Lupine Knoll Farm, Nichols Garden Nursery, Oikos Tree Crops, Restoration Seeds, Siskiyou Seeds e Wild Garden Seed. As variedades disponíveis agora são quase 100.

A perda de diversidade é um problema global, e Kloppenburg afirma que a organização está a pensar numa versão internacional deste compromisso, através de uma parceria com o Centre for Sustainable Agriculture, da Índia. Kloppenburg convida os cultivadores a fazerem a sua parte para ajudar a proteger as nossas sementes do controlo empresarial, comprando sementes da OSSI e contribuindo para a organização. Saiba mais e veja uma lista de todas as variedades comprometidas em www.OSSeeds.org.

Margareth Roach

© Mother Earth News | traduzido sob expressa autorização, publicado originalmente no nº 273 Dezembro de 2015/Janeiro de 2016.