terça-feira, 24 de junho de 2025

Quem foi Alberto Bayo?


Em Outubro iremos lançar o manual 150 Esclarecimentos ao Guerrilheiro da autoria do general Alberto Bayo, esta obra tornou-se um clássico de leitura obrigatória na cena prepper norte-americana graças à edição da Paladin Press, editora fundada pelo editor da lendária revista Soldier Of Fortune e que, goste-se ou não, é a principal inspiração para o modelo editorial que temos aplicado na P&S.

Ao longo do século XX, poucos nomes reuniram, com tanta naturalidade, o papel de soldado profissional, estratega de operações especiais e formador de novos quadros militares como Alberto Bayo y Giroud. A sua figura, embora muitas vezes associada aos grandes protagonistas políticos do seu tempo, deve ser compreendida sobretudo como a de um homem de carreira militar invulgar, cujo percurso atravessa os principais conflitos ibero-americanos da primeira metade do século, e cuja obra teórica viria a influenciar decisivamente o pensamento táctico sobre guerra irregular.

Nascido em 1892 na cidade cubana de Camaguey, então ainda sob domínio espanhol, Alberto Bayo pertencia a uma família com raízes militares. Filho de um oficial de artilharia, cedo foi levado para Espanha, onde prosseguiu os estudos, primeiro em Barcelona e mais tarde na Academia Militar de Toledo, concluindo a sua formação em 1915. Pouco depois, tornou-se piloto militar, integrando o corpo de aviação espanhol numa altura em que o avião era ainda uma novidade no campo de batalha.

A sua primeira experiência real de combate surgiu com a Guerra do Rife, no norte de África, entre 1924 e 1927. Como oficial da Legião Espanhola, participou em operações de combate contra as forças do Rife, conhecidas pelo seu domínio do terreno e resistência aguerrida. Estas campanhas, marcadas por escaramuças, emboscadas e mobilidade constante, deixaram em Bayo uma impressão duradoura — não só pela dureza do combate, mas pelo modo como os combatentes locais aplicavam princípios que desafiavam a doutrina militar convencional. A lição foi silenciosamente absorvida, para mais tarde ser transposta para os livros.

Com a proclamação da Segunda República, Bayo regressou à vida militar em tempo de paz, assumindo funções na Força Aérea. Mas com a eclosão da Guerra Civil Espanhola em 1936, voltou ao campo de batalha. Foi-lhe confiado o comando da operação de desembarque republicano nas ilhas Baleares, nomeadamente em Maiorca — uma missão ambiciosa e logisticamente difícil, que acabou por não atingir os objectivos definidos. Apesar disso, Bayo manteve-se como uma figura respeitada nos círculos militares republicanos, tendo posteriormente assumido cargos administrativos no Ministério da Guerra.

Com a derrota da República, atravessou a fronteira francesa com a família e conheceu o internamento. Durante a Segunda Guerra Mundial, colaborou com as autoridades francesas no esforço aliado, chegando mesmo a ser distinguido com a Legião de Honra. Mais tarde, exilou-se no México, onde deu início a uma nova fase da sua vida: a da escrita, da reflexão e da transmissão de conhecimentos militares.


Foi no exílio que Alberto Bayo consolidou a sua reputação como teórico da guerra de guerrilha. Obras como A Guerra Será dos Guerrilheiros (1937) e 150 Esclarecimentos ao Guerrilheiro (1955) demonstram um pensamento claro, metodológico e enraizado na experiência de combate. Bayo abordava a guerrilha não como último recurso, mas como forma legítima e eficaz de acção militar, especialmente adaptada a contextos de assimetria de forças. Os seus manuais seriam mais tarde lidos e estudados em escolas militares de várias partes do mundo, da América Latina aos Estados Unidos.

Já em idade avançada, e a convite de jovens activistas cubanos exilados no México, Bayo participou na formação de um pequeno grupo de combatentes que se preparava para iniciar uma campanha armada em Cuba. Durante várias semanas, ministrou aulas práticas de táctica, cartografia e sobrevivência, baseando-se na sua longa experiência em campanhas irregulares. Muitos anos depois, os seus antigos alunos recordar-se-iam do rigor, da disciplina e do sentido prático que lhes transmitira. Ficou conhecido como o homem que treinou Fidel Castro!

Após a mudança de regime em Cuba, em 1959, Bayo regressou à ilha e foi integrado nas Forças Armadas Revolucionárias com o posto de general. Nos últimos anos da sua vida, desempenhou funções pedagógicas, ajudando a estruturar o ensino militar e a terminologia técnico-militar em língua espanhola. Faleceu em Havana em 1967, aos 75 anos.


A vida de Alberto Bayo y Giroud, quando vista sem as lentes da política ou da ideologia, revela a consistência de um percurso militar atento às transformações do combate moderno. Foi um oficial que passou da aviação à infantaria, do campo de batalha africano às academias mexicanas, da derrota republicana à reconstrução técnica de um exército latino-americano. Mas foi, acima de tudo, um pedagogo — alguém que acreditava que a experiência de combate, por mais dura que fosse, deveria ser racionalizada, estudada e transmitida.

Num tempo em que a guerra convencional começava a ser substituída por conflitos assimétricos e insurgências populares, Bayo foi um dos primeiros a compreender a necessidade de formar combatentes capazes de pensar, adaptar-se e sobreviver em terrenos onde a superioridade técnica já não bastava. O seu legado permanece, discreto mas sólido, nas páginas dos manuais, nas doutrinas de guerrilha e nos testemunhos de quem com ele aprendeu.

Flávio Gonçalves

Nascida como revista, a Prontidão & Sobrevivência é um projecto editorial que edita livros pensados para adeptos do sobrevivencialismo em todas as suas vertentes. Este projecto só é possível graças aos generosos donativos dos seus leitores, ao tornar-se nosso mecenas no Patreon (patamar 5€) receberá em sua casa os nossos livros na versão capa mole ou (no patamar 10€) em capa dura, bem como autocolantes e outro merchandising que possamos vir a editar.


segunda-feira, 23 de junho de 2025

Quem foi Daniel Carter Beard?


Daniel Carter Beard entra em 2025 no catálogo da colecção Prontidão & Sobrevivência com a obra Abrigos, Cabanas e Barracões, um manual extensamente ilustrado que nos ensina a construir desde os abrigos mais rudimentares ao ar livre às cabanas de madeira mais elaboradas. Mas quem foi Daniel Carter Beard?

Nascido a 21 de Junho de 1850 no Cincinnati, Daniel Carter Beard cresceu num tempo em que os Estados Unidos ainda guardavam, nas margens dos rios e nas dobras das florestas, o eco recente dos pioneiros. Filho de um pintor de retratos e sobrinho de um caricaturista célebre, Beard moveu-se desde cedo entre duas realidades que marcariam toda a sua vida: a Natureza e o papel impresso. A primeira deu-lhe a bússola moral, a segunda, as ferramentas com que haveria de a partilhar.

A juventude passada em Covington, no Kentucky, não foi só geograficamente próxima da fronteira — foi também espiritualmente modelada por esse imaginário. O que para outros não passava de um bosque ou de um riacho, para o jovem Daniel era um campo de provas, uma sala de aula, uma catedral. Depois de estudar engenharia civil e de trabalhar como topógrafo, percebeu que a sua verdadeira construção não seria feita de pontes e estradas, mas de ideias, imagens e acções formativas.


Foi em Nova Iorque, já como ilustrador profissional, que começou a moldar o seu estilo — visual e literário — ao serviço de um ideal que ainda não tinha nome. Ilustrou obras de Mark Twain, escreveu para revistas juvenis, publicou The American Boy’s Handy Book, mas o que de facto preparava, sem o saber ainda, era uma pedagogia viva, informal e profundamente transformadora, ancorada nas virtudes práticas, na autossuficiência e na observação directa do mundo natural.

Quando fundou os Filhos de Daniel Boone, em 1905, Beard não estava só a imitar os trajes ou os emblemas dos antigos caçadores e desbravadores de terras — estava a propor, para os jovens do seu tempo, um ethos alternativo à urbanização crescente e ao conformismo industrial. Ali, os rapazes aprendiam a acampar, a seguir pistas, a construir abrigos e, sobretudo, a pensar por si próprios em comunhão com a Natureza.

Esse projecto viria a ser absorvido, cinco anos mais tarde, pela recém-criada Boy Scouts of America. Beard tornou-se Comissário Nacional da organização, cargo que manteria durante mais de três décadas. Foi ele quem desenhou o uniforme escutista, idealizou o distintivo de Primeira Classe e deu forma e conteúdo aos primeiros manuais e revistas do movimento. Mas mais do que cargos ou insígnias, o que nele importava era a coerência de fundo: a convicção de que educar um jovem era torná-lo capaz, atento e livre.

Há um ponto de inflexão interessante na figura de Beard: ao contrário do seu contemporâneo Baden-Powell, nunca disfarçou a sua militância política. Aderente do georgismo — a proposta de tributação única sobre o valor da terra, defendida por Henry George — e reformador social convicto, contudo nunca viu o escutismo como um refúgio da política, mas antes como uma escola activa de cidadania e justiça.

Faleceu a 11 de Junho de 1941, com 90 anos, em Suffern, Nova Iorque. No seu funeral, participaram mais de dois mil escuteiros; cento e vinte e sete fizeram guarda de honra. Chamavam-lhe “Tio Dan”, e talvez nenhum outro título melhor sintetize a forma como o viam os que com ele aprenderam. Era um guia, mas não um chefe; um homem com autoridade, mas sem autoritarismo; um visionário prático, como todos os bons pioneiros.

Hoje, Beard é recordado com pontes, parques, conselhos regionais e casas-museu baptizados em sua honra. Mas o seu verdadeiro legado não é em pedra nem em madeira — é feito do gesto silencioso de um rapaz a acender uma fogueira com as próprias mãos, ou do olhar curioso de quem aprende a ler as pegadas no chão como se fossem palavras num livro antigo. E esse gesto, esse olhar, continuam a ser ensinados em seu nome.

Flávio Gonçalves

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quinta-feira, 1 de maio de 2025

O tio Manel tinha uma feira rural, a autossuficiência total é um ideal nobre, mas equivocado


Gerações de caloiros universitários, obrigados a ler Walden, reagem com escândalo e indignação ao descobrirem que Henry David regressava a Concord para jantar com a família de semana a semana, ou de quinze em quinze dias. "Está a aldrabar; a sua grande experiência é uma fraude." Esta indignação é, na verdade, uma táctica útil — impede-os de terem de enfrentar o livro mais importante (e talvez o mais exigente) de todo o cânone americano, uma obra que levanta questões de uma profundidade impossível sobre o vazio da economia de consumo, e sobre a vacuidade de uma era saturada de informação. Mas essa reacção também revela outra coisa: Thoreau, o nosso apóstolo da auto-suficiência solitária e individual, isolado na sua cabana com a enxada e os pés de feijão — o homem mais declaradamente anti-social do seu tempo — estava, ainda assim, imerso na sua comunidade de uma forma que poucos hoje seriam sequer capazes de compreender.

Pensa-se na quantidade de pessoas que, por mero acaso, passavam pela cabana de um excêntrico obscuro. “Tinha três cadeiras em casa; uma para a solidão, duas para a amizade, três para a sociedade”, escreveu ele. E por vezes apareciam mais visitantes do que lugares sentados — vinte ou trinta de uma só vez. “Idiotas do asilo”, bisbilhoteiros que “vasculhavam os meus armários e a cama na minha ausência”, um lenhador franco-canadiano, um escravo fugitivo “a quem ajudei a encaminhar-se para a Estrela do Norte”, médicos, advogados, velhos, enfermos, tímidos, reformadores autoproclamados. Não se trata de dizer que Thoreau fosse um anfitrião afável — havia visitantes “que não sabiam quando a visita tinha terminado, apesar de eu já ter voltado às minhas tarefas e lhes ir respondendo de distâncias cada vez maiores.” O que sucede é que aquele era um tempo de visitas — como sempre foi ao longo da história humana. Toda a cultura humana tem sido uma cultura de visitas.

Excepto na nossa. Duvido que muitas das pessoas que estão a ler estas palavras tenham recebido uma visita espontânea de um vizinho na última semana — menos de um quinto dos americanos diz visitar regularmente amigos ou vizinhos, e essa percentagem tem vindo a cair de forma constante. O número de amigos próximos que um americano declara ter também tem vindo a diminuir nos últimos cinquenta anos; três quartos de nós não conhecem sequer os vizinhos do lado. Até as pessoas com quem partilhamos casa se estão a tornar estranhas: o Wall Street Journal noticiou recentemente que “os grandes construtores e arquitectos de topo estão a vedar os espaços interiores. Estão a promover ‘recantos de internet’ para uma só pessoa, ‘salas de isolamento’ com portas trancadas, e escritórios ‘dele e dela’ em extremos opostos da casa.” As novas plantas, diz o director de investigação da National Association of Home Builders, são “ideais para famílias disfuncionais”. Ou, como afirmou outro executivo, são as casas perfeitas para “famílias que não querem ter nada a ver umas com as outras”. Comparado com esta gente, Thoreau e a sua cabana de três cadeiras eram praticamente a Martha Stewart.

Todas as culturas têm as suas patologias, e a nossa é a auto-suficiência. De uma mistura do nosso passado fronteiriço, da herança do Little House on the Prairie, do desejo de solidão à maneira de Thoreau, e da nossa espantosa riqueza, surgiu um grau de independência nunca antes visto neste planeta redondo. Construímos uma economia em que não precisamos de mais ninguém; com um cartão de crédito, podes colher os frutos do mundo inteiro a partir da privacidade do teu quarto. E construímos uma cultura à imagem disso — as casas de sonho que esses arquitectos desenham, escusado será dizer, vêm com ecrãs de plasma em todas as divisões. Desde que continuemos a ganhar bom dinheiro no nosso pequeno nicho, não precisamos da mão estendida de ninguém — salvo, claro, da mão invisível que nos acolhe a todos no seu benigno aperto.

Claro que há alguns problemas com este belo cenário. O primeiro é este: estamos miseráveis. Os níveis declarados de felicidade e de satisfação com a vida estão em queda constante há décadas — e quase de certeza por causa desta falta de ligação. Parece-te algo vago e subjectivo? Vai ter com um dos milhões de americanos que não pertencem a nada e convence-o a juntar-se a uma igreja, a uma equipa de softball, a um grupo de observadores de aves. No espaço de um ano, a probabilidade de essa pessoa morrer — o risco real de vir a falecer nesse ano — cai para metade.

O outro problema é que a nossa auto-suficiência é, na verdade, uma dependência de combustíveis fósseis baratos e da economia que estes sustentam. Se os retirares — seja porque o petróleo começa a escassear, seja porque o aquecimento global nos obriga a reduzir drasticamente o consumo — essa nossa tão celebrada independência começará a cambalear como um Hummer com quatro pneus furados. Basta imaginar esse mundo por um momento para decidires se queres mesmo viver num acre só teu na periferia extrema dos subúrbios.

A ideia de auto-suficiência está tão profundamente entranhada no nosso inconsciente colectivo que, mesmo quando tentamos escapar do beco sem saída infeliz e insustentável da nossa sociedade, temos tendência a fugir para formas ainda mais extremas de “independência”. O movimento de regresso à terra, por exemplo, muitas vezes acrescentava a expressão “sozinho”. Basta ouvir como certo tipo de pessoa fala com orgulho da sua vida “fora da rede” — produz a própria energia, cultiva a própria comida, está preparado para lidar com tudo o que o mundo lhe atirar. Pode ser alguém de esquerda (à la Scott e Helen Nearing), ou alguém conservador. Mas aquilo que os une é esta rejeição total do mundo alargado. Nem para ensinar os filhos contam com mais ninguém — tratam disso também.

Estas pessoas são, sem dúvida, admiráveis — dominam um leque de competências que a maioria dos americanos perdeu, sabem entreter-se sozinhas, trabalham arduamente. Mas como ideal — sobretudo como ideal económico — essa auto-suficiência radical parece-me quase tão vazia quanto a sociedade de consumo da qual se afastam. Pensa, por exemplo, na ideia de cultivar toda a tua própria comida. É, evidentemente, melhor do que depender de alimentos que viajaram milhares de quilómetros — como acontece na actual economia alimentar industrial, que parte do princípio de que “é sempre Verão algures”, e por isso manda vir comida de um campo distante todas as noites do ano. Comparado com isso, um enorme quintal e uma cave cheia de conservas para o Inverno parecem a virtude encarnada. Mas se acreditares em algumas das histórias plausíveis (e bem assustadoras) sobre o que nos espera — pico do petróleo, alterações climáticas — então o mundo acaba contigo de espingarda na mão, à entrada da tua horta, a proteger as tuas cenouras da turba faminta que veio da cidade.

Contrasta-se isso com outra visão — uma que está a ganhar forma, pelo menos em alguns pontos do país: uma malha de pequenos agricultores a produzir alimentos para as suas regiões locais. Os mercados de produtores são o sector de crescimento mais rápido da nossa economia alimentar, com taxas de crescimento anuais de dois dígitos. Em parte porque as pessoas querem comida de qualidade (todo o tipo de pessoas: imigrantes e americanos de minorias étnicas tendem a ser os clientes mais assíduos destes mercados). E em parte porque as pessoas querem mais convivência. Uma equipa de sociólogos relatou recentemente que os clientes de mercados de produtores participam em dez vezes mais conversas por visita do que os clientes de supermercados. Passei o Inverno passado a alimentar-me exclusivamente do que o meu vale produz; uma pequena parte cultivei-a eu, mas o objectivo da experiência era ver o que ainda restava da infraestrutura agrícola que outrora sustentou esta região. E o que obtive em troca não foi apenas meio ano de refeições saborosas — mas também uma rede densa de novas amizades e um sentido muito mais enraizado da geografia cultural do meu lugar.

Pensa-se agora na energia. Desde os anos 70, um certo tipo de ex-hippie nobre tem vindo a construir casas “fora da rede”, muitas vezes com painéis solares. Foi um trabalho importante — ajudaram a aperfeiçoar muitas das técnicas e tecnologias de que desesperadamente precisamos para nos libertar da crise climática. Mas o gadget mais entusiasmante de momento é um inversor doméstico, que permite enviar a energia gerada pelos teus painéis para a rede eléctrica, em vez de para o fundo da cave. Onde o sistema isolado exige um monte de baterias, o painel solar ligado à rede usa o sistema eléctrico da região inteira como se fosse a sua bateria: o meu contador eléctrico gira alegremente para trás durante toda a tarde, porque enquanto o sol brilha, eu sou um fornecedor de energia; à noite, recebo energia vinda de outro lado. É um fluxo em duas direcções, tal como a internet permite que as ideias circulem em múltiplos sentidos.

Podes aplicar este mesmo raciocínio a quase qualquer bem ou serviço. A música, por exemplo, não tem de vir de Nashville ou de Hollywood, gravada num disco minúsculo. Mas também não tens de a produzir toda tu. É muito mais interessante juntares-te aos vizinhos — fazerem música em conjunto ou ouvirem os talentos locais. Há cem anos, o Iowa tinha mil e trezentas casas de ópera. A rádio também não tem de vir da sede da ClearChannel num parque empresarial do Texas; com o novo FM de baixa potência, cada vale pode ter a sua própria estação. Até a moeda pode tornar-se num projecto comunitário — tudo o que é necessário é a confiança que sustenta qualquer sistema monetário. Em centenas de comunidades, há pessoas a tentar construir essa confiança a nível local, com moedas que apenas funcionam dentro da região.

Pensar desta forma não será fácil. Estamos habituados a considerar a independência como a mais alta das virtudes — tão habituados que três quartos dos cristãos americanos acreditam que a frase “Deus ajuda quem se ajuda” vem da Bíblia, quando na verdade é de Ben Franklin. “Ama o teu próximo como a ti mesmo” é um conselho mais difícil — mas também mais doce e mais sábio. Não precisamos de viver em comunas (embora cada vez mais idosos se encontrem a viver em “comunidades de reforma”, versões sofisticadas e grisalhas dessa ideia). Mas teremos, penso eu, de aprender a deixar de depender tanto do petróleo… e de nós próprios — e, em vez disso, redescobrir uma lição que os outros primatas e as outras culturas humanas nunca esqueceram: fomos feitos para depender uns dos outros.

Bill McKibben

Publicado originalmente na secção de Autossuficiência da extinta revista In Character, Janeiro de 2007 © John Templeton Foundation

sábado, 26 de abril de 2025

A burla das casas offgrid baratas


Há uma quantidade cada vez maior de páginas falsas com casas modulares, contentores ou de madeira à venda por preços de 1.000€ a 5.000€... são todas falsas, lamentamos informar.
E sim, a Meta e o Google permitem os anúncios de páginas falsas, desde que lhes paguem os anúncios eles anunciam o quer que seja, razão pela qual os preppers portugueses estão a receber no seu feed imensas sugestões de páginas falsas que afirmam vender casas de madeira, de contentores ou modulares. Trata-se de conteúdo patrocinado (pago pelos burlões).
Se correr mal, o Google e a Meta podem sempre culpar a Rússia por ter criado esses anúncios (como fazem quando as eleições coiso e tal).
Há toda uma indústria de criação de páginas falsas com maquinaria e casas modulares cujo alvo é quem queira viver fora da grelha, até o Project Kamp foi vítima de uma burla destas.
Eis o nosso manual para totós para determinar se uma página deste tipo é verdadeira ou falsa.
1º Os preços, se forem muito abaixo do preço do mercado, sugerimos que procurem essa máquina ou casa no Alibaba ou Aliexpress, a China fabrica praticamente todos os contentores, casas modulares e de madeira do mundo, são a opção mais barata, se essa casa estiver no catálogo mais cara que no site, é porque o site é falso;
2º O endereço, peguem no endereço da empresa e pesquisem no Google Maps se é real, vejam as opções de vista de satélite e o street view, nos sites que pesquisamos os endereços são ou de outras empresas ou de prédios residenciais, normalmente em Paris ou Barcelona.
3º Peçam para visitar, se a empresa for em Espanha, Andorra ou até França, vale a pena meterem-se no carro (o combustível até é mais barato passando a fronteira, bem como as portagens) e vão lá ver, acreditem que é bem mais barato gastar umas centenas de euros numa viagem do que vos roubarem milhares de euros.
Provavelmente esta mensagem chegaria mais longe se tivéssemos criado um vídeo em vez de um texto... lá chegaremos.

Flávio Gonçalves

segunda-feira, 3 de março de 2025

Bolton Hall: Terra e Progresso Económico

Uma entrevista com Bolton Hall publicada na revista Arena em Dezembro de 1900.

Senhor Hall, como alguém que estudou o imposto único, acredita que este seria um remédio eficaz para reduzir a pobreza involuntária ao mínimo?

Henry George afirma que, ao destinar o valor dos rendimentos da terra para o público, "a grande causa da actual distribuição desigual da riqueza seria eliminada, e cessaria essa competição unilateral que hoje priva os homens que nada possuem, além da sua capacidade de trabalhar, dos benefícios do progresso da civilização, forçando os salários ao mínimo, independentemente do aumento da riqueza. O trabalho [cada homem por si ou, mais frequentemente, em associações] livre para aceder aos elementos naturais de produção, já não seria incapaz de se empregar a si próprio, e a concorrência, actuando tão plenamente e livremente entre empregadores como entre empregados, elevaria os salários ao seu verdadeiro nível natural – o valor integral do produto do trabalho – e mantê-los-ia nesse patamar."

Qual considera que seria a influência ética que este imposto teria sobre a sociedade?

O progresso ético deve ser o progresso da humanidade. O progresso da humanidade precisa de oportunidades para se desenvolver, e o primeiro requisito para tal é o acesso aos recursos da Natureza. A negação desse acesso corrompe todo o nosso sistema social, e todos partilham dessa corrupção, tornando impossível a verdadeira fraternidade: pois somos todos ou receptores dos rendimentos da terra – ou seja, ladrões – ou pagadores dos rendimentos da terra – isto é, cúmplices de ladrões. O uso igualitário da terra permitir-nos-ia viver uns para os outros, em vez de uns à custa dos outros.

Que pensa da alegação de que a tributação exclusiva do valor da terra favoreceria a acumulação de riqueza por parte dos detentores de títulos e seria opressiva para os proprietários de terras?

Acreditamos que a justiça deve "favorecer a acumulação da própria riqueza", caso alguém deseje acumular o que possa obter legitimamente. "Os 'obrigacionistas', no entanto," diz Louis F. Post, "são, na sua maioria, eles próprios proprietários de terras; pois um título de dívida é, geralmente, o primeiro direito sobre algum interesse na terra, como uma concessão ferroviária. Assim, o imposto único não poderia simultaneamente favorecê-los e oprimi-los. Além disso, não poderia ser opressivo para os proprietários de terras – ou seja, para os detentores de um privilégio especial – exigir-lhes o valor daquilo que recebem, ainda que isso impedisse a acumulação da riqueza alheia."

Por que razão considera esta medida um remédio fundamental?

Como se afirma em As Coisas Tal Qual São [inédito em língua portuguesa]: "A reforma do nosso actual 'sistema' fundiário não é o fim das reformas nem a soma de todas elas. É, como disse o seu maior defensor, a porta de entrada da reforma. Mais do que isso, é a única reforma sem a qual todas as outras se tornarão autodestrutivas, pois tendem a aumentar tanto a população como a produção, e, por conseguinte, a aumentar a renda da terra, promovendo assim todas as formas de monopólio."

Muitos agricultores opõem-se ao imposto único, pois consideram que este lhes seria opressivo. Por outras palavras, alegam que as suas terras seriam mais pesadamente tributadas do que o total dos impostos que actualmente pagam, enquanto que os detentores de acções bancárias e outros títulos financeiros ficariam praticamente isentos de tributação. Considera esta posição válida?

Basta lembrar que certos terrenos urbanos valem doze milhões de dólares por acre; que um pequeno lote na zona comercial de uma vila vale mais do que um campo inteiro das melhores terras agrícolas da região; que uns poucos metros quadrados de carvão ou ferro valem mais do que vastas propriedades agrícolas; que o direito de passagem de uma companhia ferroviária através de uma zona densamente povoada ou entre pontos estratégicos vale mais do que o seu próprio material circulante; que o valor das modestas casas operárias nos subúrbios é insignificante em comparação com os terrenos residenciais urbanos – para que se torne evidente o absurdo, senão mesmo a desonestidade, da alegação de que o imposto único prejudicaria os agricultores e pequenos proprietários em favor dos ricos. A má-fé deste argumento torna-se ainda mais evidente quando se considera que, sob os actuais sistemas fiscais, o agricultor e o pequeno proprietário são obrigados a pagar em impostos sobre melhoramentos, alimentos, vestuário e outros bens de consumo muito mais do que o valor anual da terra nua que possuem.

Tradução de Flávio Gonçalves

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Sobre o sismo de Fevereiro de 2025


1- No geral, e apesar dos desenvolvimentos recentes, a atividade sísmica no mediterrâneo assim como em Portugal encontra-se dentro da normalidade. 

2- No caso particular de Santorini, trata-se de uma das zonas do mundo com maior ocorrência de sismos. Isto ocorre porque nesta zona existe uma zona de subducção, ou seja, uma fronteira de placas em que uma das placas mergulha sobre a outra dando origem a sismos frequentes assim como vulcanismo.

3-  Não foi ainda registado nenhum aumento da atividade vulcânica nem interpretados os sismos recentes como sendo de origem vulcânica (é possível estudar as ondas sísmicas e perceber se são puramente tectónicos ou se estão associados a atividade vulcânica). Neste caso “As autoridades gregas afirmam que os recentes sismos a abalar Santorini estão relacionados com o movimentos das placas tectónicas e não com a atividade vulcânica.”

4 - A atividade sísmica na nossa região segue um padrão normal como se pode ver na imagem do IPMA em anexo. As fontes sismogénicas mais ativas estão marcadas a verde. O sismo de hoje estará associado à zona da Península de Setúbal e vale do Tejo onde estão identificadas e estudadas várias falhas ativas, e onde estará a origem do sismo de hoje sentido em Lisboa. Por ex. a zona a Sul da Arrábida (Falha da Arrábida) historicamente apresenta centenas de epicentros registados. Outros acidentes tectónicos identificados na mesma zona são a Falha do Vale do Tejo (que se crê ter sido reativada durante o sismo de 1755 dando origem a uma sismo ainda mais destruidor) e a Falha do Pinhal Novo, por exemplo.

Não há evidência de qualquer relação entre o enxame sísmico de Santorini e o sismo sentido hoje em Lisboa.

5 - Não é possível prever quando haverá um sismo de grandes dimensões a afetar o nosso território, no entanto face à nossa localização no contexto geodinâmico, assim como a sismicidade histórica com potencial destruidor registada, devemos preparar-nos para um sismo com elevado potencial destruidor que afete as infraestruturas, que provoque o soterramento de pessoas, e que obrigue a deslocação das populações das zonas afetadas para posterior realojamento em zonas seguras.

Apesar dos alertas às populações para a preparação de “mochilas de emergência” , na realidade muito fica por fazer por parte dos decisores políticos tendo em vista a proteção dos civis em caso de catástrofe natural. 

Por exemplo: 

Onde estão os grupos locais de voluntários da proteção civil,  com instrução básica de primeiros socorros, suporte básico de vida, assim como com conhecimento sobre o plano municipal de emergência que possam numa primeira instância atuar, assim como à posteriori apoiar os grupos de socorro em tarefas de segundo plano? 

Onde estão as informações sobre vias de fuga e os alertas de tsunami (que já existem noutros concelhos) do nosso sobrelotado litoral em boa parte do ano?

Está o  nosso ordenamento do território pensado para diminuir a vulnerabilidade das zonas urbanas em relação a um abalo sísmico com elevada gravidade?

Rui de Sousa Farrobeira

Rui Farrobeira é instrutor de bushcraft e sobrevivência, anima o canal Artes do Mato no Youtube, podem também segui-lo no Facebook.


sábado, 18 de janeiro de 2025

Deixei de fumar!


Quando leres isto, já terei deixado de fumar há quase três anos. Comecei a fumar quando tinha 15 anos e continuei durante cerca de 17 anos. Depois, parei. Fiquei longe do tabaco durante dez anos, voltei a fumar e, novamente, parei. Como disse, já passaram três anos. Confesso ser um viciado em tabaco. Simplesmente, já não fumo, nem voltarei a fumar.

O que eu realmente apreciava eram charutos panatela, aqueles longos e esguios com invólucro verde. Mmmmmmm, o charuto depois do jantar costumava ser o ponto alto do meu dia.

O teste da Montanha Ryan reforçou a minha determinação de nunca mais voltar a fumar. A Montanha Ryan é um monte de granito no meio do Deserto de Mojave. Antes da minha primeira abstinência de dez anos, costumava subir a Montanha Ryan, ofegante, a chiar, a bufar e a suar pelo trilho estreito, íngreme e rochoso até ao topo. A vista de lá abrangia quase todo o meu mundo — as Montanhas San Jacinto, as Montanhas San Bernardino, as Santa Rosas, o Mar Salton e o vasto e lindo deserto.

Depois de ter deixado de fumar pela primeira vez, subi a Montanha Ryan novamente, mas desta vez sem ofegar, chiar ou bufar tanto. Cerca de cinco anos depois de ter parado, subi a Montanha Ryan mais uma vez, respirando com facilidade durante a maior parte do caminho e com um ritmo cardíaco só ligeiramente acima do normal.

No final dessa década sem fumar, o vício apanhou-me novamente — e com força. Vislumbrei uma caixa de longos e esguios panatelas verdes numa vitrine de vidro. Não consegui resistir. "Dá-me um desses", disse ao funcionário. Acendi-o, inspirei o fumo pungente e delicioso, inalei um pouco e pensei comigo: "Ahhhhhhhh, tal como me lembrava. Um ou dois charutos por dia não me vão fazer mal." Para encurtar esta história, em menos de duas semanas estava de volta a fumar um maço e meio de mentolados por dia.

Durante esse período, tive ocasião de subir a Montanha Ryan. Lá estava eu, a ofegar e a bufar novamente e a chiar pior do que nunca. O meu ritmo cardíaco estava realmente elevado. Via manchas e precisava de descansar com frequência — descansar e fumar um cigarro.

Leio bastante e estou ciente dos relatórios e factos sobre o tabaco:

Se fumas, a tua probabilidade de morrer de cancro é 100% maior do que a de quem não fuma.

Se fumas, a tua probabilidade de morrer de cancro do pulmão é 700% maior do que a de quem nunca fumou.

Se fumas, a tua probabilidade de seres vítima de enfisema é 10 vezes maior do que a de quem nunca fumou regularmente.

Se fumas, a tua probabilidade de morrer de doença cardíaca é 103% maior do que a de um não-fumador.

Enquanto estava sentado a meio da Montanha Ryan, a lutar por ar e a fumar um cigarro sem filtro (com estes factos a girar na minha cabeça), resolvi naquele instante deixar de fumar mais uma vez — desta vez, para sempre.

Quase consegui uma vez: estive seis semanas sem fumar, mas o vício venceu-me. Depois, comecei a trabalhar na McMullen Publishing, Inc., e na Survival Guide. Este lugar tem uma regra de proibição de fumar no edifício. Pensei: "Óptimo! Agora tenho um incentivo para parar de fumar."



A minha mulher, Sally, teve de permanecer na sua cidade por algumas semanas enquanto eu começava o emprego aqui. Isso deu-me tempo e espaço longe da rotina partilhada para fazer o que fosse necessário para parar. Na véspera de Ano Novo de 1981, o dia antes de começar este cargo, deixei de fumar. Fumei o meu último cigarro pouco antes da meia-noite, vi a chegada do ano de 1982 e fui para casa enfrentar o desafio.

Não vou aborrecer-te com os gritos de incentivo que fiz a mim próprio, ou com as tentativas de meditação transcendental, Zen, Yoga, auto-hipnose, orações, murros na parede, etc. Fiz isso tudo. Consegui. Deixei de fumar.

Como poderia eu professar ser um sobrevivencialista e agir de outra forma?

Durante o dia, o trabalho mantinha-me ocupado. Não podia fumar no edifício, então evitava sair. As noites, sozinho em casa, foram as piores.

E, recentemente, subi novamente a Montanha Ryan. O meu joelho lesionado incomodou-me mais do que o coração ou os pulmões.

O ponto fulcral deste texto é claro: fumar e os seus efeitos prejudiciais para a saúde humana são incompatíveis com os princípios da prontidão. Não se pode prejudicar o próprio corpo dia após dia e, ao mesmo tempo, afirmar ser um sobrevivencialista.

Assim, peço-te, de amigo para amigo, de sobrevivencialista para sobrevivencialista: pela tua saúde, pela tua vida, se fumas, pára; e, se nunca fumaste, não comeces!

Para além do perigo imediato para a saúde, há o factor de dano permanente, a destruição irreparável dos tecidos cardíacos e pulmonares, e a redução permanente da acuidade cerebral e visual, que comprometerão o teu corpo em situações críticas de sobrevivência. Não fumar é faz, sem dúvida, parte de estar preparado para sobreviver.

A maior parte dos leitores nunca subirá a Montanha Ryan ou sequer a encontrará num mapa. Acredita, ela está lá. É o meu teste. Recomendo aos fumadores que façam um "Teste da Montanha Ryan" — num local à sua escolha — antes e depois de deixarem de fumar. Comparem os resultados com os meus. Estou convencido de que dirão: "Ainda bem que parei." E eu acrescentarei: "Eu também."

Dave Epperson

© American Survival Guide, Volume 7, Nº 3, Março de 1985.

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sábado, 11 de janeiro de 2025

Facas de cozinha para a defesa do lar

Os artigos sobre armas para defesa doméstica costumam enfatizar três aspectos. As caçadeiras são consideradas as melhores opções devido à sua aparência intimidante, elevada probabilidade de acerto, poder de paragem mais do que suficiente e risco mínimo de sobrepenetração. As pistolas são bastante portáteis, mas tendem a ter uma precisão e um poder de paragem inferiores ao necessário. Por outro lado, as carabinas de alta potência podem representar um sério perigo para a saúde dos nossos vizinhos, principalmente em apartamentos ou casas de estrutura leve, onde a probabilidade de as balas atravessarem as paredes, o chão ou o tecto é bastante elevada.

Embora as probabilidades de um proprietário de casa ter de defender o seu "castelo" sejam remotas, ele deve preparar-se como se fosse para uma patrulha na selva. A sua arma principal deve ser uma caçadeira, reservando as armas de mão apenas para emergências, quando a caçadeira não estiver ao alcance. Um caso recente ilustra o perigo de depender de pistolas: um proprietário disparou três vezes contra um assaltante com um revólver .38 enquanto este o atacava com uma faca; acabaram por morrer nos braços um do outro. Além disso, em algumas localidades, o porte de pistolas é simplesmente proibido.

As raparigas e mulheres estão entre as melhores atiradoras de caçadeiras e carabinas do país. Por exemplo, a actual campeã de carabina de pressão de ar é uma rapariga de 14 anos, uma das "atiradoras" de calibre olímpico é a capitã Margaret Murdock do Exército dos EUA... e a lista continua. No entanto, a mulher comum considera o acto de disparar uma arma pouco feminino; se tiver uma arma, é provável que seja uma pistola que mantém, mas com a qual não pratica. Em alguns casos, seria mais sensato confiar numa faca de cozinha grande, com a qual está totalmente familiarizada, do que numa pistola pequena em que pode não ter confiança para usar numa emergência.

As estatísticas de homicídios neste país indicam que as mulheres preferem a cozinha e as facas de cozinha como ferramentas letais. Com base nestes dados, podemos extrapolar que as mulheres também devem ser capazes de usar estas facas para autodefesa.

Basicamente, qualquer faca de cozinha, de preferência aquelas com uma lâmina de dez centímetros ou mais, pode ser considerada uma potencial arma. Em Hong Kong, onde existem restrições à posse de armas de fogo, a arma favorita é o cutelo de cozinha, um utensílio com lâmina afiada. A dona de casa deve decidir com antecedência qual a faca que usará caso enfrente um ataque em sua casa. Essencialmente, quanto maior, melhor: uma grande faca de chef é praticamente uma espada curta. Deve ter uma ponta e lâmina muito afiadas. A lâmina não deve ser demasiado flexível: as facas de cozinha podem ter lâminas com espessuras entre 2,5 e 6 milímetros; as mais robustas são mais eficazes para golpes de perfuração.

De forma simples, a mulher que se defende com uma faca deve dominar três movimentos básicos: corte na mão, manobra evasiva e golpe fatal. Se o agressor ainda não fez algo que o possa levar à prisão, é provável que seja desencorajado por um corte na mão ou no braço. Por exemplo, uma rapariga que conhecia estava a atravessar um parque em St. Louis quando um homem lhe agarrou o braço. Ela pediu-lhe que a largasse, mas como ele recusou, sacou de uma faca e cortou-lhe o braço. Confrontado com uma situação que só poderia piorar, ele afastou-se. A propósito, este movimento deve ser combinado com uma boa dose de gritos.

O segundo movimento é a manobra evasiva. Uma mulher deve impedir que o agressor lhe retire a faca das mãos. Isso pode ser feito mantendo-o à distância com a outra mão, enquanto segura a faca recuada, pronta para atacar qualquer alvo exposto.

O terceiro movimento é apenas para situações de vida ou morte. Uma estocada no pescoço ou no abdómen é mais provável de ser fatal do que qualquer corte (excepto se atingir a artéria carótida). Para quem deseja aperfeiçoar estas habilidades, a esgrima desportiva é o melhor treino [NDT - recomendamos as aulas de esgrima do Ginásio Clube Português].

Francamente, considero que a maioria das técnicas de defesa pessoal sem armas, ensinadas em cursos da YWCA e semelhantes, não têm em conta o tamanho, a velocidade e a resistência média à dor de uma mulher em comparação com o seu provável agressor. Na verdade, homens e mulheres utilizaram sempre armas para compensar a vantagem física de potenciais oponentes. Os assaltantes e os violadores são predadores, não são lutadores; escolhem as suas vítimas precisamente pela aparente vulnerabilidade. Se a potencial vítima quiser evitar tornar-se uma vítima real, deve transmitir imediatamente uma impressão de autoconfiança, estando preparada para fazer barulho, fugir ou lutar. Se tiver uma arma, deve sacá-la imediatamente, mas mantê-la fora de vista até ao último momento, para garantir o elemento surpresa. 

Hoje em dia, existe uma vasta gama de boas facas de cozinha fabricadas industrialmente, como as da Gerber e da Henckels, disponíveis no mercado. Para quem procura algo de primeira classe, os artesãos de facas personalizadas produzem algumas das melhores facas de cozinha do mundo. Por exemplo, o modelo 10 "Salt Fisherman/Household Utility" da Randall é provavelmente a melhor pechincha da cutelaria personalizada actual; pode ser adquirido com uma lâmina de cinco ou sete polegadas e com várias opções de estilo de cabo. Outro excelente exemplo é o modelo 14 "Chuckwagon" de Dan Dennehy, embora seja consideravelmente mais caro do que o Randall. Como acontece com a maioria das facas de cozinha, nenhuma destas possui guarda ou maneabilidade; por isso, não devem ser usadas para certos tipos de golpes ou bloqueios que podem ser realizados com uma faca de combate tradicional.

O problema da defesa doméstica é complexo. Na verdade, a utilização de armas de fogo ou de facas é o último recurso, o limite final da defesa doméstica; todos os outros meios, como fechaduras e alarmes, já terão falhado. Nestas circunstâncias, o proprietário da casa deve ser proficiente no uso de qualquer arma disponível. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o OSS treinava os seus agentes para reconhecer praticamente qualquer objecto como uma potencial arma. Confiar exclusivamente em armas de fogo é tornar-se dependente da sua presença.

David E. Steele

© Soldier of Fortune, Fevereiro de 1979.

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quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

As 72 horas até ao apocalipse em "Guerra Nuclear"


Obra recomendada por Joe Rogan e pelos nossos camaradas do podcast Casual Preppers é editada em Portugal. 

A Dom Quixote edita na próxima terça-feira, 14 de Janeiro, Guerra Nuclear - um Cenário, da jornalista norte-americana Annie Jacobsen,  o relato, minuto a minuto, das 72 horas que medeiam entre a queda um míssil nuclear nos EUA e o apocalipse. Denis Villeneuve, de Dune, será o realizador da longa-metragem baseada neste livro "bestseller" do The New York Times.

A finalista do Prémio Pulitzer conta como o fim do mundo pode acontecer em apenas duas horas. A jornalista começa o livro com a detonação de uma bomba nuclear em Washington D.C., fazendo a descrição, realista e violenta, dos efeitos causados em habitações, pessoas e animais. A seguir retrocede até à insana corrida ao armamento pós-invenção da bomba nuclear na II Guerra Mundial, aos planos de ataque e de defesa nuclear surgidos numa reunião secreta em 1960, até aos dados exactos sobre o tamanho do arsenal atómico de EUA, Rússia e os restantes sete países com armas nucleares que vazaram na net.

Tirando o choque de um asteróide gigante com a Terra, existe apenas um cenário que pode levar à destruição do nosso planeta: um míssil nuclear e a consequente resposta dos EUA. Segundo Jacobsen, cinco mil milhões morreriam, deixando três mil milhões vivos, mas escondidos no subsolo por causa da radiação que tudo destruiria, incluindo as colheitas que diminuiriam ainda mais as hipóteses de sobrevivência da humanidade.

Uma obra escrita com base em dezenas de novas entrevistas com especialistas militares e civis que construíram as armas, estiveram a par dos planos de resposta e foram responsáveis ​​por essas decisões.

Annie Jacobsen é finalista do Prémio Pulitzer e autora de vários bestsellers do The New York Times, que integraram ainda a lista dos melhores livros do ano do Washington Post, USA Today, The Boston Globe e da Vanity Fair. Participa regularmente em programas de televisão e plataformas digitais – desde o PBS Newshour a Joe Rogan – para falar sobre guerra, armas, serviços de informação e segurança nacional. Também escreve e produz programas de televisão, incluindo a série Jack Ryan, de Tom Clancy. Licenciou-se na Universidade de Princeton, onde foi capitã da equipa feminina de hóquei no gelo.  

domingo, 5 de janeiro de 2025

PARATUM, a banda sonora do Apocalipse


É verdade, nesta nova fase da Prontidão & Sobrevivência não é propriamente segredo que estamos a aprender a utilizar ferramentas de Inteligência Artificial, estando perfeitamente cientes de que um dia a utilização de IA em ferramentas de vigilância e tecnologia militar será muito provavelmente a causa da queda da nossa civilização ou até do Apocalipse, achamos que há que utilizar todas as ferramentas ao nosso dispor para promover o estilo de vida sobrevivencialista e incentivar o maior número possível de pessoas a preparar-se.

Neste espírito, criamos uma banda virtual de estilo neo-folk e folk-punk, as letras são da autoria de Flávio Gonçalves e já podem ouvir algumas das canções criadas no nosso canal Youtube e no Bandcamp da "banda".

Estamos ainda a dar os primeiros passos e não estamos a utilizar ferramentas gratuitas, o objectivo desde o início foi sempre profissionalizar a Prontidão & Sobrevivência tornando-a num projecto que se pudesse ocupar a tempo inteiro a criar livros, revistas, vídeos e conteúdos úteis a sobrevivencialistas em língua portuguesa, mas como poderão ver pelos poucos mecenas que conseguimos reter no nosso Patreon, tem sido um falhanço.

A crise económica tem afectado o nosso público, como tal houve uma quebra tanto nas vendas dos nossos livros como nos donativos que recebemos no Patreon e nos crowdfundings que organizamos no PPL em 2024 (tanto é que o número 2 da revista continua sem data prevista de edição e os nossos dois últimos livros ainda estão por editar), a nosso solução para já será investir mais em conteúdos digitais: música, cartoons, ilustrações, traduções e textos exclusivos aqui na nossa página.

Até Maio de 2025 queremos tornar este projecto viável, se tal não for possível iremos dar o mesmo por encerrado e passará a mera página no Facebook, sem grande incentivo para actualizações. 

Caso não queiram que tal aconteça, 2€ mensais já são uma bela ajuda pois entre o software profissional que utilizamos, o apartado e o alojamento da nossa loja e desta página, as despesas correntes chegam quase aos 200€ mensais e os donativos que recebemos (Patreon e transferências directas) nem chegam a 50€ mensais, há um défice que colmatamos (Flávio Gonçalves e João Pedro Cordeiro) com os nossos subsídios de Natal e Férias, mas que seriam melhor aplicados nas nossas preparações e nas nossas famílias.

E por favor sigam-nos no Youtube, precisamos de mais de 500 seguidores para que o Youtube permita que incorporemos a nossa loja oficial no nosso canal.

Até já.


sábado, 21 de dezembro de 2024

Condicionamento emocional: depressão


Muitos livros e artigos estão a ser escritos sobre abrigos de sobrevivência, equipamentos e armas. Tudo isso é informação de valor, mas o factor essencial para a sobrevivência será a tua saúde física e a tua estabilidade emocional. Uma quebra física ou emocional tornará o melhor equipamento e planos inúteis. A importância de uma boa condição física é bem reconhecida e pode ser mantida através de exercício, consultas médicas regulares, conhecimento de primeiros socorros e um abastecimento adequado de medicamentos. A saúde emocional é muitas vezes minimizada ou ignorada, mas é crucial para a tua capacidade de pensar e funcionar sob stress. Em situações de sobrevivência, pode esperar-se um stress extremo e prolongado.

Entre os problemas emocionais mais comuns das pessoas civilizadas está a depressão. Episódios depressivos leves e breves são comuns e inevitáveis. Todos têm dias em que se sentem tristes, exaustos ou abatidos, mas quando esses episódios se tornam graves e prolongados, são incapacitantes.

Os sintomas de depressão grave incluem: tristeza, baixa energia, falta de interesse por tudo, perda de apetite (ou comer compulsivamente), dificuldade em adormecer ou acordar cedo, e ser incapaz de voltar a dormir. Uma depressão contínua cria sentimentos de impotência, desespero e frustração. Os pensamentos giram em torno de uma perspectiva pessimista e autocrítica, aumentando a miséria e a confusão, em vez de ajudar a encontrar respostas para o problema. Em última análise, o suicídio pode parecer uma solução razoável.

As depressões de longo prazo e/ou agudas são geralmente tratadas por via da psicoterapia e da medicação antidepressiva. Quando a condição se torna avassaladora, a hospitalização pode ser necessária devido ao risco de suicídio.

As estatísticas mostram que os níveis etários para a depressão caíram de 40-50 no período pré-Segunda Guerra Mundial para os primórdios ou meados dos 30 anos hoje em dia, e as mulheres são afectadas quatro vezes mais do que os homens. As mulheres são mais propensas à depressão devido a problemas ou perdas em relacionamentos, como filhos, amantes ou maridos. Os homens ficam deprimidos quando sentem que "não estão a conseguir" em termos de confiança ou sucesso.

A depressão é descrita como um problema civilizado, porque a vida moderna, principalmente nas cidades, é causa frequente de frustração, mas bloqueia quaisquer reacções emocionais a essa frustração, principalmente a raiva. A frustração e a raiva não resolvidas são as principais causas da depressão. As taxas de suicídio, em boa medida por causa da depressão, têm sido altas no Japão, onde a sociedade é altamente estruturada e as pessoas estão aglomeradas. Os estóicos suecos também têm uma taxa alta. Em contraste, as culturas mediterrânicas consideram normais as expressões abertas de raiva e tristeza, fazendo com que estas pessoas sejam menos inclinadas ao suicídio. Culturas que exigem reprimir essas emoções fortes produzem mais pessoas com depressão e/ou problemas físicos.

A noção popular de que pessoas que ameaçam suicidar-se não o levam a cabo não é verdadeira. Algumas podem suicidar-se sem ameaçar, enquanto que outras podem ameaçar — para manipular ou obter atenção — e, finalmente, concretizá-lo. Os que ameaçam podem calcular mal e tomar comprimidos a mais ou não ter a ambulância a chegar a tempo, fazendo com que o gesto se torne realidade. Qualquer depressão que pareça grave deve ser levada a sério.

A depressão segue um ciclo à medida que avança de uma fase para a outra. (1) A frustração surge do sentimento de que deve fazer algo que não quer, ou de estar bloqueado de concretizar algo que deseja. Um exemplo do primeiro é manter um emprego que odeia porque precisa do dinheiro. O segundo é ser incapaz de obter um emprego que lhe agrada devido à falta de educação ou experiência. A frustração não aliviada leva a (2) raiva. Quer atacar verbalmente ou fisicamente a frustração ou o frustrador. Se não pode ou não o quer fazer, volta essa raiva contra si mesmo e torna-se (3) deprimido. O ciclo pode mover-se lentamente o suficiente para reconhecer as etapas, ou podem passar tão rapidamente que se sente instantaneamente deprimido.

É difícil aceitar a ideia de que a depressão começa com frustração e raiva, porque essas emoções são activas, enquanto que a tristeza é passiva. Sentir-se preso numa depressão duradoura é como estar preso em areias movediças; quanto mais se debate, mais se afunda.

Ao evitar a depressão, captando-a nas fases iniciais de frustração e raiva, tem muito mais oportunidades do que só tentar escapar-lhe uma vez que este sentimento tenha um controlo firme sobre as suas emoções.

Se se sente frustrado com uma pessoa, fale com ela, explique-lhe a sua reacção e tente resolver o problema ou trabalhar num compromisso. As probabilidades de uma solução são muito melhores do que remoer em silêncio. As pessoas muitas vezes têm relutância em falar sobre uma irritação porque esta parece ser "uma coisa tão pequena". Mas se isso o incomoda, não é pequeno. A sua reacção pessoal é a melhor medida do grau de importância.

O frustrador pode ser grande e impessoal, como o IRS, a companhia telefónica, ou outra grande empresa ou burocracia. O ditado "não se pode lutar contra a câmara municipal" expressa a sensação de impotência nessas situações. Mas muitas pessoas conseguem vencer multas de trânsito ou fazer com que o IRS reverta uma decisão. Mesmo quando não se ganha, tem-se a satisfação de ter feito o máximo que se podia. Isto, por si só, reduz a frustração. Pelo menos, podes admitir a ti próprio que estás realmente zangado, reclamar e desabafar com amigos e familiares. Envolver-te em trabalho activo e agressivo ou em desportos. Todas estas técnicas dissipam a depressão, enquanto permanecer calado e isolado alimenta a miséria.

Basicamente, nada nem ninguém pode fazer-te deprimir. Podem acontecer coisas más ou mesmo terríveis, mas os indivíduos deixam-se deprimir pela forma como reagem a esses eventos. Ao prestar atenção quando entras numa fase negativa, vais reparar que tens pensamentos como: "Nada resulta." "Porque é que isto acontece sempre comigo?" "Vale a pena tentar?" Estas e outras frases semelhantes podem parecer-te familiares. Estes pensamentos e sentimentos desencorajadores combinam-se para te derrubar. Ao forçares-te a mudar para ideias positivas e a tornares-te activo, o deslize para a depressão pode ser evitado. Tens de te obrigar, porque sem um esforço consciente e forte, o ciclo seguirá o seu curso habitual.

Eventos depressivos são comuns na vida. As pessoas envelhecem. As capacidades físicas declinam devido à idade ou à doença. Entes queridos partem ou morrem. As pessoas não são apreciadas ou falham em obter as recompensas que acreditam merecer. Os assaltos, com a perda de bens valiosos ou até insubstituíveis, estão a aumentar. Os atentados pessoais sob a forma de agressão, violação e roubo estão a crescer, a inflação e os bens caros de má qualidade efectivamente roubam o indivíduo. Os impostos tornam-se progressivamente opressivos. As ameaças de desintegração social ou guerra nuclear estão à espreita como possibilidades futuras.

Perante tudo isto, poderias raciocinar que a vida é desesperançada e desastrosa. Desistir poderia parecer o mais lógico. Por outro lado, a história mostra-nos que a vida nunca foi fácil. Eras douradas só existiram em mitos ou em nostalgia, nunca na realidade. Ao longo da história da humanidade, os principais recursos do sobrevivente foram sempre a sua inteligência, a sua resistência física, a sua imaginação e a sua flexibilidade. Era necessário manter estes recursos pessoais em óptimas condições para garantir uma existência contínua. Esse requisito é igualmente verdadeiro hoje. Não podes permitir que a tua personalidade fique incapacitada pela depressão, pela ansiedade ou pela confusão.

A vida quotidiana confronta todos com pessoas e acontecimentos frustrantes e causadores de raiva. Em situações críticas de sobrevivência, todas essas situações agravar-se-ão e é até provável que ocorram eventos devastadores. As ameaças extremas de morte, ferimentos, perda de bens, ser deslocado de casa e/ou colapso social total devem ser antecipados. Se não ficasses profundamente abalado por esses choques, não serias humano.

O objectivo do condicionamento psicológico pessoal não é tornar-te uma máquina insensível, mas sim evitar ficar imobilizado por estes golpes emocionais. Tal como noutros planos de sobrevivência, deves começar a preparar-te e a praticar agora, em vez de começar quando o desastre acontecer. A tua vida normal oferece-te muitas oportunidades para aprenderes a lidar com a frustração e reduzi-la, em vez de a alimentar. Ao aprender a trabalhar os problemas, em termos do que podes fazer em relação aos mesmos, aumentarás a tua habilidade e a tua confiança. Eventualmente, criarás uma mentalidade natural preparada para lidar com frustrações.

Mobilizar e fortalecer as tuas conexões sociais com família, amigos e grupos também ajuda. A solidão contribui frequentemente para a depressão, enquanto que a associação a um grupo de pessoas em quem possas confiar é uma valiosa fonte de apoio mútuo.

Se te deparas com uma experiência potencialmente deprimente, admite para ti mesmo que te sentes frustrado e zangado, e depois analisa o que podes fazer em relação a isso. Por vezes, apesar dos teus melhores esforços, pode não haver outra solução para o problema senão suportá-lo. Isso é, pelo menos, uma decisão, e é melhor do que te sentires como uma vítima indefesa das circunstâncias.

Este sistema de aprendizagem e prática para lidar com frustrações comuns aumenta a tua capacidade de o fazer. Os eventos perturbadores continuarão a incomodar-te, mas, com prática, tornar-se-ão menos ameaçadores. Tornar-te-ás mais habilidoso em encontrar soluções e confiarás mais em ti para tomar decisões.

Esta abordagem de aprendizagem e prática fortalece as tuas emoções da mesma forma que o levantamento regular de pesos constrói músculos. A previsão precisa de crises futuras é impossível, mas a pessoa que estiver preparada, praticando agora, será capaz de gerir as suas reacções e tomar melhores decisões quando confrontada com as perturbações que inevitavelmente acompanharão um verdadeiro período de sobrevivência.

Robert R. Douglas