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terça-feira, 24 de junho de 2025

Quem foi Alberto Bayo?


Em Outubro iremos lançar o manual 150 Esclarecimentos ao Guerrilheiro da autoria do general Alberto Bayo, esta obra tornou-se um clássico de leitura obrigatória na cena prepper norte-americana graças à edição da Paladin Press, editora fundada pelo editor da lendária revista Soldier Of Fortune e que, goste-se ou não, é a principal inspiração para o modelo editorial que temos aplicado na P&S.

Ao longo do século XX, poucos nomes reuniram, com tanta naturalidade, o papel de soldado profissional, estratega de operações especiais e formador de novos quadros militares como Alberto Bayo y Giroud. A sua figura, embora muitas vezes associada aos grandes protagonistas políticos do seu tempo, deve ser compreendida sobretudo como a de um homem de carreira militar invulgar, cujo percurso atravessa os principais conflitos ibero-americanos da primeira metade do século, e cuja obra teórica viria a influenciar decisivamente o pensamento táctico sobre guerra irregular.

Nascido em 1892 na cidade cubana de Camaguey, então ainda sob domínio espanhol, Alberto Bayo pertencia a uma família com raízes militares. Filho de um oficial de artilharia, cedo foi levado para Espanha, onde prosseguiu os estudos, primeiro em Barcelona e mais tarde na Academia Militar de Toledo, concluindo a sua formação em 1915. Pouco depois, tornou-se piloto militar, integrando o corpo de aviação espanhol numa altura em que o avião era ainda uma novidade no campo de batalha.

A sua primeira experiência real de combate surgiu com a Guerra do Rife, no norte de África, entre 1924 e 1927. Como oficial da Legião Espanhola, participou em operações de combate contra as forças do Rife, conhecidas pelo seu domínio do terreno e resistência aguerrida. Estas campanhas, marcadas por escaramuças, emboscadas e mobilidade constante, deixaram em Bayo uma impressão duradoura — não só pela dureza do combate, mas pelo modo como os combatentes locais aplicavam princípios que desafiavam a doutrina militar convencional. A lição foi silenciosamente absorvida, para mais tarde ser transposta para os livros.

Com a proclamação da Segunda República, Bayo regressou à vida militar em tempo de paz, assumindo funções na Força Aérea. Mas com a eclosão da Guerra Civil Espanhola em 1936, voltou ao campo de batalha. Foi-lhe confiado o comando da operação de desembarque republicano nas ilhas Baleares, nomeadamente em Maiorca — uma missão ambiciosa e logisticamente difícil, que acabou por não atingir os objectivos definidos. Apesar disso, Bayo manteve-se como uma figura respeitada nos círculos militares republicanos, tendo posteriormente assumido cargos administrativos no Ministério da Guerra.

Com a derrota da República, atravessou a fronteira francesa com a família e conheceu o internamento. Durante a Segunda Guerra Mundial, colaborou com as autoridades francesas no esforço aliado, chegando mesmo a ser distinguido com a Legião de Honra. Mais tarde, exilou-se no México, onde deu início a uma nova fase da sua vida: a da escrita, da reflexão e da transmissão de conhecimentos militares.


Foi no exílio que Alberto Bayo consolidou a sua reputação como teórico da guerra de guerrilha. Obras como A Guerra Será dos Guerrilheiros (1937) e 150 Esclarecimentos ao Guerrilheiro (1955) demonstram um pensamento claro, metodológico e enraizado na experiência de combate. Bayo abordava a guerrilha não como último recurso, mas como forma legítima e eficaz de acção militar, especialmente adaptada a contextos de assimetria de forças. Os seus manuais seriam mais tarde lidos e estudados em escolas militares de várias partes do mundo, da América Latina aos Estados Unidos.

Já em idade avançada, e a convite de jovens activistas cubanos exilados no México, Bayo participou na formação de um pequeno grupo de combatentes que se preparava para iniciar uma campanha armada em Cuba. Durante várias semanas, ministrou aulas práticas de táctica, cartografia e sobrevivência, baseando-se na sua longa experiência em campanhas irregulares. Muitos anos depois, os seus antigos alunos recordar-se-iam do rigor, da disciplina e do sentido prático que lhes transmitira. Ficou conhecido como o homem que treinou Fidel Castro!

Após a mudança de regime em Cuba, em 1959, Bayo regressou à ilha e foi integrado nas Forças Armadas Revolucionárias com o posto de general. Nos últimos anos da sua vida, desempenhou funções pedagógicas, ajudando a estruturar o ensino militar e a terminologia técnico-militar em língua espanhola. Faleceu em Havana em 1967, aos 75 anos.


A vida de Alberto Bayo y Giroud, quando vista sem as lentes da política ou da ideologia, revela a consistência de um percurso militar atento às transformações do combate moderno. Foi um oficial que passou da aviação à infantaria, do campo de batalha africano às academias mexicanas, da derrota republicana à reconstrução técnica de um exército latino-americano. Mas foi, acima de tudo, um pedagogo — alguém que acreditava que a experiência de combate, por mais dura que fosse, deveria ser racionalizada, estudada e transmitida.

Num tempo em que a guerra convencional começava a ser substituída por conflitos assimétricos e insurgências populares, Bayo foi um dos primeiros a compreender a necessidade de formar combatentes capazes de pensar, adaptar-se e sobreviver em terrenos onde a superioridade técnica já não bastava. O seu legado permanece, discreto mas sólido, nas páginas dos manuais, nas doutrinas de guerrilha e nos testemunhos de quem com ele aprendeu.

Flávio Gonçalves

Nascida como revista, a Prontidão & Sobrevivência é um projecto editorial que edita livros pensados para adeptos do sobrevivencialismo em todas as suas vertentes. Este projecto só é possível graças aos generosos donativos dos seus leitores, ao tornar-se nosso mecenas no Patreon (patamar 5€) receberá em sua casa os nossos livros na versão capa mole ou (no patamar 10€) em capa dura, bem como autocolantes e outro merchandising que possamos vir a editar.


segunda-feira, 23 de junho de 2025

Quem foi Daniel Carter Beard?


Daniel Carter Beard entra em 2025 no catálogo da colecção Prontidão & Sobrevivência com a obra Abrigos, Cabanas e Barracões, um manual extensamente ilustrado que nos ensina a construir desde os abrigos mais rudimentares ao ar livre às cabanas de madeira mais elaboradas. Mas quem foi Daniel Carter Beard?

Nascido a 21 de Junho de 1850 no Cincinnati, Daniel Carter Beard cresceu num tempo em que os Estados Unidos ainda guardavam, nas margens dos rios e nas dobras das florestas, o eco recente dos pioneiros. Filho de um pintor de retratos e sobrinho de um caricaturista célebre, Beard moveu-se desde cedo entre duas realidades que marcariam toda a sua vida: a Natureza e o papel impresso. A primeira deu-lhe a bússola moral, a segunda, as ferramentas com que haveria de a partilhar.

A juventude passada em Covington, no Kentucky, não foi só geograficamente próxima da fronteira — foi também espiritualmente modelada por esse imaginário. O que para outros não passava de um bosque ou de um riacho, para o jovem Daniel era um campo de provas, uma sala de aula, uma catedral. Depois de estudar engenharia civil e de trabalhar como topógrafo, percebeu que a sua verdadeira construção não seria feita de pontes e estradas, mas de ideias, imagens e acções formativas.


Foi em Nova Iorque, já como ilustrador profissional, que começou a moldar o seu estilo — visual e literário — ao serviço de um ideal que ainda não tinha nome. Ilustrou obras de Mark Twain, escreveu para revistas juvenis, publicou The American Boy’s Handy Book, mas o que de facto preparava, sem o saber ainda, era uma pedagogia viva, informal e profundamente transformadora, ancorada nas virtudes práticas, na autossuficiência e na observação directa do mundo natural.

Quando fundou os Filhos de Daniel Boone, em 1905, Beard não estava só a imitar os trajes ou os emblemas dos antigos caçadores e desbravadores de terras — estava a propor, para os jovens do seu tempo, um ethos alternativo à urbanização crescente e ao conformismo industrial. Ali, os rapazes aprendiam a acampar, a seguir pistas, a construir abrigos e, sobretudo, a pensar por si próprios em comunhão com a Natureza.

Esse projecto viria a ser absorvido, cinco anos mais tarde, pela recém-criada Boy Scouts of America. Beard tornou-se Comissário Nacional da organização, cargo que manteria durante mais de três décadas. Foi ele quem desenhou o uniforme escutista, idealizou o distintivo de Primeira Classe e deu forma e conteúdo aos primeiros manuais e revistas do movimento. Mas mais do que cargos ou insígnias, o que nele importava era a coerência de fundo: a convicção de que educar um jovem era torná-lo capaz, atento e livre.

Há um ponto de inflexão interessante na figura de Beard: ao contrário do seu contemporâneo Baden-Powell, nunca disfarçou a sua militância política. Aderente do georgismo — a proposta de tributação única sobre o valor da terra, defendida por Henry George — e reformador social convicto, contudo nunca viu o escutismo como um refúgio da política, mas antes como uma escola activa de cidadania e justiça.

Faleceu a 11 de Junho de 1941, com 90 anos, em Suffern, Nova Iorque. No seu funeral, participaram mais de dois mil escuteiros; cento e vinte e sete fizeram guarda de honra. Chamavam-lhe “Tio Dan”, e talvez nenhum outro título melhor sintetize a forma como o viam os que com ele aprenderam. Era um guia, mas não um chefe; um homem com autoridade, mas sem autoritarismo; um visionário prático, como todos os bons pioneiros.

Hoje, Beard é recordado com pontes, parques, conselhos regionais e casas-museu baptizados em sua honra. Mas o seu verdadeiro legado não é em pedra nem em madeira — é feito do gesto silencioso de um rapaz a acender uma fogueira com as próprias mãos, ou do olhar curioso de quem aprende a ler as pegadas no chão como se fossem palavras num livro antigo. E esse gesto, esse olhar, continuam a ser ensinados em seu nome.

Flávio Gonçalves

Nascida como revista, a Prontidão & Sobrevivência é um projecto editorial que edita livros pensados para adeptos do sobrevivencialismo em todas as suas vertentes. Este projecto só é possível graças aos generosos donativos dos seus leitores, ao tornar-se nosso mecenas no Patreon (patamar 5€) receberá em sua casa os nossos livros na versão capa mole ou (no patamar 10€) em capa dura, bem como autocolantes e outro merchandising que possamos vir a editar.