segunda-feira, 23 de junho de 2025

Quem foi Daniel Carter Beard?


Daniel Carter Beard entra em 2025 no catálogo da colecção Prontidão & Sobrevivência com a obra Abrigos, Cabanas e Barracões, um manual extensamente ilustrado que nos ensina a construir desde os abrigos mais rudimentares ao ar livre às cabanas de madeira mais elaboradas. Mas quem foi Daniel Carter Beard?

Nascido a 21 de Junho de 1850 no Cincinnati, Daniel Carter Beard cresceu num tempo em que os Estados Unidos ainda guardavam, nas margens dos rios e nas dobras das florestas, o eco recente dos pioneiros. Filho de um pintor de retratos e sobrinho de um caricaturista célebre, Beard moveu-se desde cedo entre duas realidades que marcariam toda a sua vida: a Natureza e o papel impresso. A primeira deu-lhe a bússola moral, a segunda, as ferramentas com que haveria de a partilhar.

A juventude passada em Covington, no Kentucky, não foi só geograficamente próxima da fronteira — foi também espiritualmente modelada por esse imaginário. O que para outros não passava de um bosque ou de um riacho, para o jovem Daniel era um campo de provas, uma sala de aula, uma catedral. Depois de estudar engenharia civil e de trabalhar como topógrafo, percebeu que a sua verdadeira construção não seria feita de pontes e estradas, mas de ideias, imagens e acções formativas.


Foi em Nova Iorque, já como ilustrador profissional, que começou a moldar o seu estilo — visual e literário — ao serviço de um ideal que ainda não tinha nome. Ilustrou obras de Mark Twain, escreveu para revistas juvenis, publicou The American Boy’s Handy Book, mas o que de facto preparava, sem o saber ainda, era uma pedagogia viva, informal e profundamente transformadora, ancorada nas virtudes práticas, na autossuficiência e na observação directa do mundo natural.

Quando fundou os Filhos de Daniel Boone, em 1905, Beard não estava só a imitar os trajes ou os emblemas dos antigos caçadores e desbravadores de terras — estava a propor, para os jovens do seu tempo, um ethos alternativo à urbanização crescente e ao conformismo industrial. Ali, os rapazes aprendiam a acampar, a seguir pistas, a construir abrigos e, sobretudo, a pensar por si próprios em comunhão com a Natureza.

Esse projecto viria a ser absorvido, cinco anos mais tarde, pela recém-criada Boy Scouts of America. Beard tornou-se Comissário Nacional da organização, cargo que manteria durante mais de três décadas. Foi ele quem desenhou o uniforme escutista, idealizou o distintivo de Primeira Classe e deu forma e conteúdo aos primeiros manuais e revistas do movimento. Mas mais do que cargos ou insígnias, o que nele importava era a coerência de fundo: a convicção de que educar um jovem era torná-lo capaz, atento e livre.

Há um ponto de inflexão interessante na figura de Beard: ao contrário do seu contemporâneo Baden-Powell, nunca disfarçou a sua militância política. Aderente do georgismo — a proposta de tributação única sobre o valor da terra, defendida por Henry George — e reformador social convicto, contudo nunca viu o escutismo como um refúgio da política, mas antes como uma escola activa de cidadania e justiça.

Faleceu a 11 de Junho de 1941, com 90 anos, em Suffern, Nova Iorque. No seu funeral, participaram mais de dois mil escuteiros; cento e vinte e sete fizeram guarda de honra. Chamavam-lhe “Tio Dan”, e talvez nenhum outro título melhor sintetize a forma como o viam os que com ele aprenderam. Era um guia, mas não um chefe; um homem com autoridade, mas sem autoritarismo; um visionário prático, como todos os bons pioneiros.

Hoje, Beard é recordado com pontes, parques, conselhos regionais e casas-museu baptizados em sua honra. Mas o seu verdadeiro legado não é em pedra nem em madeira — é feito do gesto silencioso de um rapaz a acender uma fogueira com as próprias mãos, ou do olhar curioso de quem aprende a ler as pegadas no chão como se fossem palavras num livro antigo. E esse gesto, esse olhar, continuam a ser ensinados em seu nome.

Flávio Gonçalves

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