sábado, 2 de outubro de 2021

Passamos três dias numa comunidade alternativa


É verdade, as comunidades alternativas estão a crescer como cogumelos em Portugal e não resistimos a ir dar uma espreitadela a uma delas algures no Ribatejo, distrito de Santarém, para vermos quão viável e confortável pode ser o modelo que queremos aplicar na quintinha que compramos no mesmo distrito. Durante três dias e duas noites vivemos numa mini-autocaravana, utilizamos latrinas secas e reciclamos toda a água.

O desafio: conseguimos MESMO viver como queremos?

Era uma dúvida que nos assombrava, quem já tiver dado uma vista de olhos aos objectivos do projecto Prontidão & Sobrevivência no nosso Patreon, já estará ciente que o objectivo final é irmos viver de modo autónomo e autossuficiente num terreno que compramos no distrito de Santarém. Mas será que conseguimos mesmo abdicar dos confortos urbanos? Fomos fazer o test drive com uma pequena comunidade e ficamos agradavelmente surpreendidos.

O contacto foi extremamente fácil uma vez que muitas destas comunidades apostam no turismo rural como meio de complementar os seus rendimentos, pelo menos enquanto a civilização existir. Agendamos a nossa vida, reservamos espaço numa autocaravana por um preço quase simbólico e lá fomos nós. 

A (micro) autocaravana

Ficamos alojados numa autocaravana, que é na realidade uma carrinha daquelas que estamos habituados a ver passar na rua a transportar homens para a construção civil. No interior em vez dos habituais assentos para 9 pessoas encontramos uma cama de casal (extremamente confortável, diga-se já após duas noites bem dormidas), uma mini-cozinha com fogão a gás, lavatório e frigorífico semelhante aos mini-bar dos hotéis e uma vasta opção de pequenas gavetas e armários para arrumação.

Este era um dos principais dilemas, visto que na transição de um apartamento para uma quinta a principal despesa será com a habitação, ainda para mais em Portugal onde a indústria das casas de madeira e da alteração de contentores marítimos para habitação residencial apresenta preços que em nada competem com o das casas de alvenaria. Pela pesquisa de mercado que temos levado a cabo desde Novembro de 2019 esta indústria, com parcas excepções - havendo uma empresa que recomendamos vivamente - tem apostado apenas na rapidez da construção, mantendo preços de mercado semelhantes aos de tijolo e betão.

As caravanas encontram-se aos magotes em sítios como o Olx a preços entre os 2.000€ e os 3.000€ e podem ser facilmente renovadas, como podemos constatar nesta colecção de vídeos do Indie Projects, uma das famílias que decidiu viver off grid em Portugal. Já as casas de madeira variam entre os 5.000€ se as construirmos nós mesmos das fundações até ao tecto ou em média 14.000€ se uma empresa a construir por nós (opção mais segura). 


Como tal havia que saber se conseguimos viver numa caravana, cuja dimensão é o dobro ou mesmo o triplo da mino-autocaravana onde ficamos. A nosso ver: conseguimos e confortavelmente, nada tem de asfixiante, há arrumação para o encarar como um quarto.

Uma casa desconstruída

Algo que nos agradou e que já pensáramos aplicar na nossa quinta é o conceito de casa desconstruída, a comunidade onde ficamos utiliza três autocaravanas como quartos (assim nos foram apresentadas: este é o nosso quarto, aquele o vosso, aquele outro...), tem um deck com tecto e paredes semicobertas como cozinha, uma latrina com duche também sobre um deck e construída de raiz por um artesão local, um autocarro que cumpre a dupla tarefa de sala de estar, com televisão e wifi, e de cozinha coberta no Inverno. A ligar todas estas "divisões" da casa temos vários trilhos de cascalho como os que vemos nas estradas rurais (tupenan?). 

Latrina seca e reciclagem de água

O desafio seguinte, ultrapassado o receio do desconforto de dormir numa caravana, era o da latrina seca. Compramos vários manuais e assistimos a vários vídeos de como se constrói e utiliza uma casa de banho de compostagem, mas tínhamos sérias dúvidas quanto ao conforto e a veracidade da filtragem de cheiros. 

A mesma tinha o aspecto de uma casa de banho convencional, com um belo duche cuja água provém de um sistema misto entre a rede e um reservatório onde se recolhe a água da chuva que passa por um aquecedor a gás como em qualquer habitação convencional, mas com um senão: o champô e o sabão corporal são biológicos, deste modo a água é recolhida num outro reservatórios e aproveitada para regar as hortas biológicas no exterior.

Disseram-nos que como só lá íamos estar 3 dias podíamos utilizar os nossos produtos higiénicos tóxicos, mas que se lá quiséssemos ficar um mês ou viver, aí sim iriam pedir-nos para transitar para champô e sabonetes biológicos. Houve uma pequena efusão de alegria quando os informei que abdicara do champô há meses, após ter visto este vídeo do Dave Hakkens (responsável pelo Project Kamp em Santa Comba Dão).

Quanto à latrina propriamente dita: comprova-se a quase inexistência de cheiro, o truque é abusar da serradura. Colocamos serradura antes, fazemos o que temos a fazer, cobrimos tudo com serradura novamente e já está. Daqui a 6 meses ou mais, depende muito do clima onde estejamos e em Santarém aproveitam o composto passados 6 meses, temos ali um adubo fértil que criamos continuamente. Outra prova superada: conseguimos viver bem com um WC de compostagem e uma caravana.


Conclusão

A experiência saldou-se por um resultado extremamente positivo, não admira que centenas de pessoas estejam a optar por viver neste tipo de comunidades - sejam familiares ou por afinidades culturais ou políticas - no interior de Portugal. É perfeitamente viável na maior parte do ano viver nestas quintas com o mesmo nível de conforto a que nos habituamos no tecido urbano. Estas pessoas produzem e criam grande parte dos produtos que consomem, aproveitam tudo o que a Natureza lhes providencia (utilizam painéis de energia solar da EDP) e caso a civilização termine de um dia para o outro, tal pouco ou nada lhes irá afectar a rotina diária. É possível estar mais preparado do que isto? 

FG

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